Janela Poética III

Romério Rômulo

 

Patrick Arley

Foto: Patrick Arley

 

sinto, marília, dizer

 

se eu caminho, marília
nas estradas de ouro preto
sinto teu olho rasgar
o lacre da minha carne

sinto o duro e permanente
viés com que interrogas
meus estratos seminais
que só pulsam do teu lado

sinto, marília, dizer
que no teu olho apagado
acabo de anoitecer

num mundo vitrificado
na morte mais indizível
de que alguém quer morrer.

 

 

***

 

 

fragmento de desarmar a morte

 

se todos morremos na estrada
o que fazer dos caminhos?

vou desarmá-los, amada.

 

 

***

 

 

tão bêbados de tudo, estes poetas

 

poetas são malditos e no espanto
de revelar limites se martelam
há um poeta assim em cada canto
no redemunho do espanto que revelam.

poetas são em pétalas, cruéis
com tintas destiladas pela mão
seus dedos se arrebentam em pincéis
drogados pela cor da solidão.

tão bêbados de tudo, estes poetas
de ansiedade e insônia vão tomados
ao percorrer a noite pelas frestas
poetas são destroços renegados.

 

 

***

 

 

equação

 

eu sigo puto.
reajo em fogo:

viver é bruto.

 

 

***

 

 

Fragmentos, 12

 

1.
trago comigo
uma batalha solta
uma revolta puta
uma babel envolta.
2.
um anjo me parece pouco e lento
pra todas as batalhas que sustento.

 

 

***

 

 

chame qualquer coisa que me caiba

 

se eu brotar do silêncio
chame a vida
chame qualquer coisa
que me caiba

seja poesia, mulher ou desavença.

 

 

***

 

 

quando as tripas da noite me inventam

 

quando as tripas da noite me envolvem
sou um homem retinto de pavores:
30 colunas perdidas me comovem

quando as tripas da noite me arrematam
e sou um peso morto das palavras
30 colunas tortas me chibatam

e se as tripas da noite me embriagam
30 vozes me ardem o sossego
pelas 30 colunas que me vagam

quando as tripas da noite me arrebentam
e 30 corvos me roem a carcaça
são as tripas da noite que me inventam.

 

Romério Rômulo é professor de economia política da Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP, MG. Poeta e editor, publicou vários livros de poesia, entre eles “bené para flauta & murilo” (1990), a caixa “tempo quando” (4 livros em 2 volumes, 1996), “matéria bruta” (2006),”per augusto & machina”, 2009, “i ah, si yo fuera maradona!” (bilíngue português/espanhol, 2015).Escreve semanalmente uma coluna de poesias no Jornal GGN, editado pelos jornalistas Lourdes e Luis Nassif. É um dos fundadores do Instituto Cultural Carlos Scliar, com sede no Rio de Janeiro.

 

 

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1 comentário

  1. Gostei muitíssimo de todos os poemas, caro poeta. Dá vontade de querer mais.

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