Janela Poética IV

Vagner Muniz

 

Foto: Ozias Filho

 

SERENIDADE

 

Algo de água no ar
uma suspeita Na pele

das coisas a busca de marcas
em contraluz, de sombras
(a face escura da ínfima gota)
a mão pela janela: o que não se vê

Respira-se água o vento
(vivência primeva de peixe)

Chuva-não
vem.

 

 

***

 

 

MERGULHO

 

Bicho pequeno lambendo
água na margem
Um gole e o gesto rápido (a fuga)
um gole um gesto mudo (tanto medo)
E um e outro se muito Apenas
a leões dá-se o direito
de enfiar a língua.

 

 

***

 

 

A CAUSA DO TEMPO

 

O tempo para
fazer-se presente
veste e reveste
as paredes da casa

O tempo para
ocupar um espaço
investe-se
nas paredes da casa

O tempo para
fazer-se vivente
(e não ser para sempre)
ergue paredes em si
para morrer pela causa.

 

 

***

 

 

ÚLTIMO SOPRO

 

Então ao tom da flauta a flor se abriu:
era de o som escoar pela pele de pétala
– Gélida pele da pétala
(repete em trote um eco)

Mínima breve
pétala ao pulso de lâmina –
grave (é um corte)
Do alto da pauta
o hálito alisava cílios, pálpebras
Cerrados
Vê de perto ao rés da pele os sinos.

 

 

***

 

 

DESAGUAR

 

para Miguel

Plantado por ele
fosse a terra
antes uma água

água em ondas
braço de mar, do pai
um mar, o maior de todos

Defluente
a vida à sua margem
não nadei de peito

(monstros marinhos
à espreita sob espumas
dos meus olhos)

E hoje manso meu mar
mais lento o pulso
anoitece

as águas
mais deitadas
quase um rio

(ainda vejo a linha
onde a onda nasce:
no espelho d’água, um mar acima)

Rebento enfim mergulho
além da linha, mais ao fundo
antes tarde.

 

Vagner Muniz (São Paulo – SP) é poeta, designer e professor universitário. Tem poemas publicados na Germina – Revista de Literatura e Arte, no Portal Cronópios – Literatura Contemporânea Brasileira e na Mallarmargens – Revista de Poesia e Arte Contemporânea.

 

 

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