Janela Poética IV

Ana Peluso

 

Sinisia Coni

Foto: Sinisia Coni

 

Enquanto teces maledicências
e enredas as saliências dos rumores nos teus cantos

entôo cantiga antiga, versejo mil idiomas
não te vejo e não te sinto
há muito o nada não existe

tua essência arrefece ante o tentáculo que suga
e sorve a si
as insossas tortillas de amora
deferidas no ontem após o jantar

enquanto a distância que te sucumbe em êxtase
e que ecoa em catedrais de gesso
te faz face

te vês são
no grande espelho invertido

pelo hábito
monge
que a ti consagras
nesses dias em
que não amas

 

 

 
***

 

 

 

Você sabe o amor
quando ama o ruído
o abalo
o obstáculo
a falta de sentido

e ainda é amor

 

 

 
***

 

 

 

Filosofia da seca
metafísica das rochas
um punhado de sal
no éter
oito sóis apagados de Andrômeda
uma mulher vestida de seda

a palavra amor enterrada
na areia, no coito
um camaleão cinza
…….a ciência do abandono

outro dia te vi
absorto
fazendo as contas do teu pessoal
dando baixas no teu pessoal
……porque o coração é um músculo breve

 

 

 
***

 

 

 

A fera
detalhe incômodo
em abrigo tímido
sufoca
todas as ilusões a respeito da calmaria

da infinita falta
…………………….do ar de outra fera

do atrito do ontem que cisma com hoje
desalinha o agora
dissolve a cor, a forma, o cheiro

de dentro de tudo que é a alma da fera
de tudo que é o coração da fera
que é a vontade da fera
os dentes da fera
é o sal da fera

assola sua boca
seca sua baba
e soçobra a carcaça
ressoando falta

 

 

 
***

 

 

 

Um barco
uma nau sem leme
o mundo todo aberto e sem paredes
o infinito fazendo arruaça
um medo desgraçado da desgraça
a espera sentada por um príncipe-peixe
o céu sem recortes e sem redes
o real estampado sem escrúpulos
a solidão dos pescadores e dos brutos
e uma âncora do tamanho do mergulho

 

 

 
***

 

 

 

Ser ousado como vento
destelhar ideias
forjar rumores
varrer as águas
confundir os olhos
conduzir o fogo
multiplicar palavras
separar amantes
exaurir a terra
esquecer o homem
libertar um deus

 

Autora do livro 70 poemas, Ana Peluso, 1966, abandonou Letras e Psicologia pelo Desenho Publicitário. Não deu certo. Aos treze anos sonhava ser Alquimista. Aos cinco, Bailarina, Pianista, Pintora. Aos sete, Professora. Costumava reescrever Novelas mentalmente. Livros, jamais. Catalogava Folhas colhidas na Rua. Esculpia Bonecos em borracha, Papel e batata. Imaginava um mundo feito de Palitos de Fósforo. Escrevia Diários. Hoje faz Sites em html1, retrô-total. Sempre foi Pisciana, só Parece que não. Os versos aqui publicados são do livro “70 poemas” (Ed. Patuá).

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1 comentário

  1. Todos muito bos, as o último… Parabéns, querida Ana!
    Maria Lindgren

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