Janela Poética IV

Weslley Almeida

 

Desenho: Re

 

OCULAR

 

Enxerga a flor
com toda tua retina.
Apalpe-a
com toda pálpebra tua.
Assiste – nas pupilas –
todo o seu desabrochar.
Pois não se sabe quando
a cegueira da candura anoitece.
Nem
se em fruto a
manhã será.

 

 

 

***

 

 

 

INAUGURAL

 

Há-me um paladar
de fascínio inaugural
pelos abismos, rotas de dentro
pela nova ciranda: dança de redemoinhos
movendo-se em espiral
nos tantos brotos tormentos
da aurora
e do ocaso (que é dia-noite a dentro):

plúmbeo lábio de cima
beijando
o outro baixo ocre
lábio feito.

 

 

 

***

 

 


URBICÍDIO

 

A cidade é um templo:
arranha-céus.

A idade
nela
é um tempo

átimo veloz.

O zumbido dos carros
(catarros)
é o mesmo zumbido de dentro.

Para onde,
…….anônimos,
………..antônimos
……………perdidos corremos?

Para onde
os assombros
escombros
destinos que havemos.

 

 

 

***

 

 

 

PASTAGENS

para Alberto Caeiro

 

Cada poema
é um rebanho
…….berro de palavras
pasmo essencial

a sintaxe das emoções
a semântica do intelecto

descendo o olhar por flores
em novilhos de versos
e lã
grudada em carne

o súbito relâmpago relance
voo (insight de aves)
onde se cruzam os cantos
trôpegos pensamentos:
fluxos de pastagens.

 

 

 

***

 

 

 

NA CASA DOS MEUS TRINTA ANOS

 

Na casa dos meus trinta anos
concebi o tempo
por furacões

cada átimo
encarnava-se-me veloz

e passei a alijar superficialidades
aglomerar o intenso

por paladar de flor
e entrâncias de espinho

pegando o travo e o doce
por dentro

sabendo
como o limo sabe da pedra

no grude gesto
……..do tempo.

 

 

 

***

 

 

 

A TRAMA DO BORDADO

 

Olhares sobre o tear inacabado
a guerra sem fim inconsumida
Penélope e seus dedos finos falhos
Ulisses e o retorno: e ainda

Ainda a Tróia maldita distante
e a solidão no novelo em Ítaca.
Ainda o flerte dos interessados
o cavalo que vai — e que fica

O arco duro, tão rígido
só quem o deixou
pode bem a(r)má-lo

E como flecha
pelos machados
a trama do bordado se finda.

 

Weslley Almeida nasceu em Feira de Santana, Bahia. É poeta, compositor, e formado em Letras pela UEFS. Atua como colaborador e revisor do Jornal Fuxico (do Núcleo de Investigações Transdisciplinares – NIT/UEFS). Os poemas aqui publicados integram seu livro de estreia, “Memórias Fósseis” (Editus), vencedor do Prêmio Sosígenes Costa de Poesia 2016.

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1 comentário

  1. Poeta esse Wesley, hem? Tambem de terra-cidade onde tem tantos e bons!
    Forte abraço, Alba Liberato

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