Janela Poética IV

Diego Vinhas

 

Ilustração: Bianca Lana

 

VISITA

 

da mesma matéria
de que são feitos
os domingos
– tédio e vapor em pedra-sabão –
compunha-se a espera
num gesto mais
branco

 

 

 

***

 

 

 
DE UM CALENDÁRIO

 
as coisas, depois, têm o tamanho da bagagem.
cada um sabe o peso das alças, a medida do que
escorre. e comungam, além do instante e das
coordenadas, a dose de um tédio que rumina e
aprende a doer,
depois.
primeiro, as coisas morrem.

 

 

 

***

 

 

 

BENFICA

 
das guerras que sempre respiram
em algum lugar do mundo,
pousa aqui este
atrito
contra a tarde pronta para
esmurrar meu abraço
na lembrança de você dizendo caminhar
por uma cidade
desconhecida é tomar a vida
de alguém,
emprestada,
contra a luz (e seu monólogo,
esta milonga), esta
bela infelicidade a jogar
ligue-os-pontos
com cumeeiras, árvores
e sombras do bairro
unidas sem voz
como em uma
língua
de estátuas

 

 

 

***

 

 

 

NADIR

 
uma vez no terraço do plano mais erguido
(céu e teto justapostos)…. da graça

você desce um degrau

até a próxima nuvem, e sem que perceba
…………………..o chão se aproxima

a viagem vertical

….corta o arranha-céu
….atravessa o solo
….no eixo negativo
….do inframundo

sonho abaixo

em
mácula anátema opróbrio vendeta
doença vileza repulsa infâmia
fel ira joio malícia dissenso
flagelo mania engulho falência
e quando não for mais possível
— baque seco —
significa que você chegou.
este é o grau zero da queda.
agora comece a cavar.

 

 

 

***

 

 

 

BABEL

 
dentro da pós-verdade

rostos geminados
sorriem (saliva e
peçonha

) apontando a culpa da vítima
a culpa pós-
morte

cozida por indicadores em riste
na longa noite
dos amoladores de facas.

dentro da pós-verdade ainda
o pós-trabalho: a rês livre
para os negócios
(as cláusulas e caminhos
do abate).

agora pós-tudo

a legião de pais da velha família

vomita em novilíngua

a redução de um país
ao plural de pó

 

 

 

***

 

 

 

MINHA SOMBRA E EU

 
1. tropeçamos muito – isso
não é engraçado.

 
2. gostaríamos de menos luz
ou nenhuma:
ela também precisa dormir.

 
3. desconfiamos de romances
de formação ou do fim
da História, mas estamos
esgotados
demais para debater.

 
4. adoramos, sem razão
aparente,
bancas de revistas
padarias
e aeroportos.

 
5. ouvimos nossa tradução
simultânea
mesmo que entre o
vão das vozes algo
escape para nunca
mais.

 
6. preferíamos afastar a
intimidade forçada (creio
que a ela incomode
que meus gestos sejam
sempre
spoilers dos seus).

 
7. continuamos sós.

 
8. também não sabemos
bem
o que fazer
com os nossos mortos.

 

Diego Vinhas nasceu em Fortaleza/CE em 1980. Publicou os livros de poemas “Primeiro as Coisas Morrem” (2004) e “Nenhum Nome onde Morar” (2014), ambos pela editora 7 Letras (RJ). Coeditou a revista de poesia GAZUA e organizou a antologia “Meio-dia: alguna poesia de Fortaleza”, publicada em edição bilíngue pela editora VOX, de Bahía Blanca (Argentina). Participou de diversas antologias no Brasil, EUA e Portugal.

 

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