Janela Poética IV

Carolina Caetano

 

Foto: Mercedes Lorenzo

 

Jacim

 

,Sobretudo, quando ouvia
dos boleros, o ‘boneca cobiçada’
e temia ter identidade de música
entidade de cadeira de balanço
tricotava suas rugas no algodão
entidade de ouvir boleros
na idade que tinha. Pensava
que devia todo homem
poder se parecer com barbante.
Dez anos depois do seu pensamento,
porque formavam-se os dez anos de Jacim
o neto mais último, da filha mais nova
e que não mais faria filho pra não ter de diferença
dez anos entre irmãos
Dez anos depois de pensar nas semelhanças
que deveriam os homens poder ter com as coisas
pra que fossem mais sabidos
pois se pudessem se comparar a um garfo
entenderia mais o homem
de ser homem
e o garfo de ser garfo
mesmo podendo um cumprir o outro quando algum
do outro lhe faltasse;
passou a observar com espanto e descobrimento
como se ali houvesse a nascer
uma terra nova e a promessa de conserto dos homens
que dali brotassem
passou a observar com mais descobrimento que espanto
que o neto Jacim, o mais último, parecia poder
se parecer com barbante.

O menino não podendo desfazer
da responsabilidade de poder
se parecer com um barbante, passou a poder
se parecer com o que pudesse ter sido a mais primeira
das coisas que seriam novas dali em diante:
o primeiro homem dos que nasceriam certos depois.

Tendo tal fardo de primogenitura à nova humanidade
e cônscio do que deveria parecer como exemplo
o menino que era filho de tamanha responsabilidade
e o único que havia com feição tão apropriada
pra se chamar Jacim,
não podia deixar de sentar-se ao pé do pé de manga
e esperar que começassem a nascer os de então prometida ninhada.
Ao esperar, sem que nada o pudesse lhe fazer pensamento
e agraciado por nada ao pé do pé de manga
estar pensando, pois não haveria diante da manga
e da circunstância, qualquer utilidade
que pudesse dar a um teimoso pensamento.

Restou que como guardião de certa nova
humanidade
chupasse a manga. E incumbido
de tamanha orientação, determinou-se
gozando-a.
Na carne amarela sumarenta
escondia tão fundo os dentes
que temia não encontrá-los:
como um cão com o osso, o seu osso eram seus dentes.
Nem deixava gota escorrer da fruta
e foi sua primeira experiência sexual.
Agitou sua língua até o caroço da manga
alguns pedaços engolia sem mastigar
e gostou sentir a carícia no pé da língua e no palato.

O menino encarregado de tal orientação
como também gostava de bolero
depois de colocar a manga sobre o acontecimento
de sua primeira ereção
como não queria se atrapalhar entre as coisas
teve um mais primeiro pensamento
de que não queria mais se parecer com barbante
e que devia de se assemelhar era com um peixe
e poder parecer rio.

 

(Carolina Suriani Caetano, nascida em oito de setembro de mil novecentos e oitenta e nove. Uberaba. Minas Gerais. Serrado)

 

 

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2 Comentários

  1. Impressao de leitura rapida: ficaria melhor como conto, sem deixar de ser um poema interessante.

  2. Carolina Caetano é o meu xodó, uma guia no caminho das letras.
    impecável!

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