Janela Poética V

Nestor Lampros

 

 

Ilustração: Thaís Arcangelo

 

 

OS CAVALEIROS

 

Há mais que um forte clamor de transtornos
neste cavalgar dos quatro cavalos.
Seus cascos rebrilham em tons nada claros,
tens já em tua mente as cores e os nomes?

Toda a relva desiste de vida.
Toda vida é silêncio e clausura.
Todos os sons, segredos, sepulcros.
Tudo completo, enfim, tudo escuro.

Quatro bandeiras, quatro promessas,
quatro pensamentos, quatro discursos.
Quatro adeuses, acenos encobertos,
quatro mistérios cavalgam o mundo.

No teu quarto aparente e seguro
só com teus olhos se surpreenderias
se com teus ouvidos avistasses os galopes,
os galopes, os galopes já em teus corredores.

Não mais ao longe, na distante Beirute;
China ou Coreia, Senegal ou Rússia,
mas no meio de ti, na corrente profunda,
no sutil e diário passear do teu sangue.

 

 

***

 

 

A CONQUISTA DA PALAVRA

 

Para a palavra ser bem escavada
não se pode apenas esperar o dado
no desígnio aleatório da jogada.

Como touro no trabalho dos dias
ferido de ferro a palavra é faca
que desfaz antigas missões já concluídas.

É falar deste cão irritante que escapa,
no encanto elíptico da palavra,
não nos omitindo, mas presentes.

Em cada azul dentro dos céus que chama,
fixa conquista dos significados: – Ata
este labor sobre a terra transparente.

 

 

***

 

 

A CANÇÃO

 

Esta canção não é a minha,
surgida das cinzas e das
chuvas
impetuosas na rubra
manhã,
que está na cisma do
escuro,
e na noite mais serena e
fria.

Esta canção não é a minha
ouvida
no laticínio posto à mesa,
no azeite
e na cólera cega,
em assembleias
onde homens procuram
a fome
e se fartam
da solidão da espera.

Esta canção não é a minha
absurdo canto
do acalanto
nebuloso
nas patas de um urso
bravio
que quer capturar
os sussurros
impossíveis
da rósea tarde
finda.

Esta canção não é a minha
se estatelada ao chão
em cruzes que bifurcam-se,
transformando-se
em moradas
de insetos
abjetos
em ruelas
ainda projetos
de moradas
não resolvidas.

Nenhum canto
se tantos
se encantam:
nenhum povo é temido
nenhum caldo é tomado,
é fervido,
nenhum santo é morto.

Todos ouvem o nada
e do nada se fartam,
pois não ouviram
das canções
cantos
nas estradas
polidas
em
que ainda
percorrem
ruas e becos
sem saídas
em rampas
íngremes.

E a canção negada
se transforma
em visão.
Esta visão
outra coisa
mais estrela ou vegetal
puro, do mais puro minério.

E esta canção
canta-se alto
afligindo a surdez de um mundo,
que não suporta uma voz  trina,
perfeita e única a governar o gorjeio
dos eternos pássaros bravios.

E é esta a canção-nula,
que ensurdece
e limpa as várzeas e os celestes céus
se faz cantoria alada
na suavidade intacta de uma mulher.

Mulher que devolve a canção
desdobrada
para o infinito.

E já não é campo, é nação.
E já não é só, é junto.
E já não é pós, é este.
Além do que foi e sempre será,
e que seria:
– a poesia.

 

 

(Autor do livro de poemas Roupagem Leve (Editora Patuá), Nestor Lampros é arte-educador, escritor, artista gráfico, quadrinista e artista plástico. Em 2002, representou Atibaia no Mapa Cultural Paulista, onde, em 2004, obteve o segundo lugar. Em 2008, novamente, chegou à final. Participou de diversas exposições como artista plástico. Criou ilustrações para livros e revistas em editoras, tais como Ática e a Editora Três. É membro-fundador da Academia Literária Atibaiense (ALA). É formado em Letras pela FESB, de Bragança Paulista (2005), e pós-graduado em Arte Educação pela FAAT(2009))

 


 

 

 

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1 comentário

  1. Aqui a força da palavra é uma questão de princípios porque em cada poema encontramos uma comunicabilidade, ainda que as imagens exijam redobrada a atenção para que se possa alcançar suas múltiplas possibilidades, sua plurissignificação, os texos são límpidos, transparentes, impregnados de um lirismo inovador. São para ler, reler e treler. Fortíssimos.
    Abr.,

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