Mariana Fernandes
Colheita
Aquieta-te,
ainda é tempo de molhar a terra
Das raízes ascender
para desafogar-te
em mar de espera
De pastorar os lobos
que correm em teu peito
Inundar-te do sabor afável
que é esvair-se
De amar-te
como se outra fosse
Apressa-te,
enquanto a água não seca.
***
Percurso
Premido pela falsa couraça do corpo
inutilmente domável
entre labirintos singelos
Prepara incessantemente,
em que pesem os festejos da carne,
o sumo que conduz em fragilidade
o fio da vida
Escorrem-te pelas frestas,
ávidas pelo encontro tardio,
lágrimas tingidas em vermelho ocre
Pois divido contigo o grande fardo
que me trazes a cada ausência vivida
A longa espera do silêncio absoluto
em que te firmas e consome o todo.
***
Sobreviventes
Espesso,
grita o vento a galope
envoltos de orvalho
talvez cinzas
deitamos sobre a terra
nossos sonhos
Noite densa, pungente
corta a carne, estanca a fala
no olho do silêncio
dividimos a escassez
de nós mesmos
O riso, a cólera
e o estatelar dos ossos
contra o mundo
Fomos tanto de nós
Somos outros
Somos os muros
e queremos ser água.
***
Recorte
Como um sopro frio
que se prolonga por tempo demais
Da tua companhia
ficaram os copos vazios, lírios
Os punhos suaves cerrados em prata
estendendo-se timidamente
à noite branda que se inicia
Adivinhamo-nos invisíveis
e cedemos em vertigem
às estrelas
do caos a complacência
da língua a mudez
dos pés o cansaço
da lucidez o desatino
dos olhos caleidoscópios
no canto da memória
giram.
***
Outra e Nada
Debruçada sobre
as águas de vidro,
vejo-me turva
Borrões não
decifrados em traços
Ilusionista, o corpo
Dentro do vazio constrói
a tua casa para desmoroná-la
sem alarde
Restam dezenas de mim,
mas nenhum pedaço
me veste com agrado
Não sou aquela de quem falas,
Não vejo o que vês
Fui lapidada na tua mente
Pluma sobre a água
ou pedra lançada
Que se faça esquecer
a memória de mim.
Meu nome é Mariana Fernandes, tenho 27 anos, nascida em 22/01/1987, na cidade do Rio de Janeiro, onde vivo até hoje. Sou estudante de Direito, graduada em Letras – Português/Inglês, funcionária pública, tradutora e ex-professora de língua inglesa. Escrevo para preencher silêncios, vazios, abafar vozes e enfeitar a realidade.