Janela Poética V

Mariana Basílio

 

Ilustração: Bianca Lana

 

Tríptico Vital

 

Do Sentir  Do Descobrir  Da Extensão

 

 

Tenho pedido a todos que descansem
De tudo o que cansa e mortifica.
Mas o homem não cansa.
Hilda Hilst

 

 

I

Se me disseres, amor, sou teu sonho.
Dir-te-ei, rema, ardor, entre os olhos.
Pois o canto que cantas é efêmero.
E o que sou é estandarte do sol.

A crescer frágil e rígido.
A rasgar os votos sagrados.
Entre a ruptura dos galhos.

Repara no que te digo.

Se me disseres: voa, sou teu laço.
Fugirei hoje mesmo, desertora.
Pois onde amo, não caibo.
Pois onde vivo, não meço.

Vaga, eu te vago.
Vaso do vazio.
Pureza do perene.

Um adeus inerente.

***

II

São hemisférios os meus olhos.
Ainda que crepitem os séculos.
Ainda que naufraguem no presente.
E não posso adiar o amor que sinto.

O amor suporta o peso corpóreo.
Atravessa a pobreza, o ódio, o abandono.
Abraça o que se renega.
Conduz o que não se mede.

À sombra de uma árvore, resistimos.
O amor e eu. No coração que é vertigem.
Em vias remotas e poeiras estelares.
Tudo é afinal, indiferente.

Porque não posso adiar a vida.

***

III

Divino Nada.
Toca-me o espírito.
Como o fugaz sopro da morte.
Como se o tempo fosse vida.
E o futuro, minha sorte.

Apresenta-me: desfecho.
A inacabada via.
Oferenda terrena.
Inevitável meio.

Divino Nada.
Salva-me o corpo
Em linhas versais.
Sela os segredos
Fluindo silêncios,
Abismos minerais.

Preposições são cantares,
No princípio da imagem.
Tu, fascínio em milagre.
Por campos lacunares.
O vasto total.

Amiúde, o haver nos restará.
O haver em branca transparência.
Construções em pás de silício.
Gravuras que se entrelaçam.

O oco fundo, Divino Nada.

***

IV

Tem sido de manhãs tecida
A minha sombra.
Sutilíssima na luz.
Translúcida nos olhos,
Em meu exíguo espaço.

A vida: plena.
O viver: insuportável.
Ou és carne ou és embaraço.

Sulcando os desvios do sangue.
Uma vida esculpida de sonhos.
Como foi que aprendemos a ser?
O perecível costura o presente.
O imperecível é paisagem da mente.

***

V

Porque o meu universo
É um todo de palavras
Golpeando o estado da fome.
Boca-alaúde de sentimentos.
Fino contraste do instante.

No desgaste do som,
Atemporal intempérie.
Na membrana diária,
Vendaval de mistérios.
Pelas lacunas do céu,
Tessitura da morte.

Minuto-terra em espumas.
Entre salmos: fleuma.
Entre braços: feixe.

Porque o meu universo
São pálpebras em corais.
Desde a língua.
Saltando melismas.
Sou um inteiro.

***

VI

À memória de Allen Ginsberg

 

O peso do mundo é o peso do sonho.
Sob o fardo do amor,
Sob o feitio da ilusão.

O peso do mundo é um fator irreal.
Sob o feitiço do perverso,
Sob a finura do convexo.

Mas quem de nós poderá negá-lo?
Se a leveza é invenção abstrata.
Se a natureza é limite brutal.

Paraísos movem-se mais adentro.
Peregrinos progressos rarefeitos.
Moléculas de uma frágil história.
Em céus que desabam, petrificados.

Pois nenhuma elucidação, América,
Há de salvar-nos.
Nenhuma religião, Kaddish,
Será poesia.
Nenhuma dor, atemporal.

 

Mariana Basílio é pedagoga, mestre em Educação e poeta. Atualmente cursa pós-graduação em Língua Portuguesa e Literatura. Autora dos livros Nepente (Giostri Editora, 2015) e Sombras & Luzes (Editora Penalux, 2016), versa no presente os dois próximos livros, Tríptico Vital (3º lugar ProAC 2016) e Megalômana. Tem entrevistas e poemas publicados em revistas do Brasil e de Portugal, como Inefável, Limbo, Raimundo, Garupa, mallarmargens, O Garibaldi, Germina, O Equador das Coisas, InComunidade, Oceânica, Vida Secreta, alagunas, Plural, entre outras.

 

 

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