Janela Poética V

Luís Perdiz

 

Arte: Samuel Luis Borges

 

MIGALHAS

 

os monumentos são zoológicos do medo
violentas cortinas rasgam a noite

preciso de distinção nos dentes
instantâneos que não mordem

………..o jardim de apuros
onde nossas garras desaprendem o espaço

 

 

 

***

 

 

 

TEMPLO

 

nunca intacto
repouso nesta superfície de cascalhos
sonhos aprendidos ao hálito da terra
lágrima primata incrustada na labareda
planície viva do princípio
tarde marmórea por onde encontro

suas coxas quentes
secretamente solares

 

 

 

***

 

 

 

A HORA DA PANTERA

 

I

……………o meu amor meu bêbado amor que ruge
na órbita tenaz de cabelos e orquídeas
no subterrâneo vicejante da floresta do tesão
a argyreia dos olhos trespassa a senha dos ciclones
……………desarma o fogo e o laser dos saguões cinéticos
e com seu batom negro devora o próximo planeta

 

 

II

………….o meu amor meu vertiginoso amor que salta
pelos viadutos abismos arvoredos farpas
dilacera o aro do tempo com patas atômicas
arranha verbos vorazes na espinha das almas
……………ressurge ofegante no sofá-cama escarlate
luzente entre gozo e caos

 

 

 

***

 

 

 

BANQUETE

 

estirados sobre uvas e fogueiras
oferendados aos olhos do dragão
adormecidos em tambores e maços
devorados na miragem nupcial da ordem

as fábricas nas unhas crescem

 

 

 

***

 

 

 

UMA PRESA FÁCIL

 

o mínimo possível
estancado com zelo
ruidoso fêmur

pesar o pesadelo
de tantos ossos
a feroz visão
em limiares doces

nervo e seiva
laborioso istmo
maravilha consternada
porém viva

uma presa fácil
habita aquela antiga e frágil cama
onde os livros doem mais

 

 

 

***

 

 

 

INSTANTE ESTRANGEIRO

 

a tradução nuvem diamante em língua
uiva ausente sobre o telhado escandaloso

convites dispersos ressonância incógnita
gestos indecifráveis de rubi tráfego

tração fútil aos volts de neurônio
retrógrado na distância

trilhos devoradores
despedida de maquiagens áridas

navego nu em mim
estrangeiro náufrago

 

 

 

***

 

 

 

NOS CORRIMÕES DO SILÊNCIO

 

enxágua esta espera
desespera frenética
aranha indeferida

do impresso
chovem granadas

 

Luís Perdiz é poeta, compositor e editor do portal de literatura “Poesia Primata, voltado para a degustação e difusão da poesia brasileira contemporânea. Faz parte do projeto musical autoral “Estranhos no Ninho, do coletivo Ocupecompoesia e colabora regularmente em revistas de literatura e antologias. Com poemas de Saudade mestiça (Patuá, 2016), seu livro de estreia, foi agraciado com  menção honrosa no Programa Nascente USP. Atualmente vive em São Paulo.

 

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