Olhares

AMPLITUDES

Por Fabrício Brandão

Foto: Nathalia Bertazi

 

São infindos os espaços ao redor. E há dois tipos deles a mover seus cursos de aparição frente a uma hesitante natureza humana. O mais aparente desfila a todo instante numa tentativa quase fugaz de impedir que se perca no oceano dos dias. O outro requer um pouco mais de atenção, quiçá uma percepção que deva vencer as primeiras barreiras de um olhar tão vilipendiado pela rotina.

Acontece que esses dois mundos atravessam nossos sentidos cumprindo um tácito acordo. Enquanto a dimensão que se pretende intensamente física denota cores, formas, gestos e traçados mil, a outra esfera de vivências requer que o tempo seja percebido como uma tênue cortina, na qual um painel de densidades da alma encontra vistoso refúgio. Mas eis que a simultaneidade entra em cena e nos sugere possíveis zonas de convergência entre o que representa a matéria e tudo aquilo que a transcende.

No momento em que um artífice da luz, comumente intitulado de fotógrafo, traz à baila a conjunção do físico com o etéreo, é porque carrega no seu íntimo todo o entendimento de que não há imagem sem um sustentáculo essencial que a configure. Assim, o que vemos de imediato não é apenas uma mera camada evidente das coisas, mas sim o primeiro passo para se experimentar o que alimenta o delicado mecanismo da existência.

Apreender os percursos de Nathalia Bertazi muito se assemelha a um mergulho num enigmático eixo espaço-temporal dos fenômenos mundanos. Com ela, vislumbramos uma espécie de sentimento do locus humano quando nos deixamos guiar pela investigação arquitetônica das cidades. Desse olhar que mira fachadas de prédios, tetos, catedrais, casarios e também ruínas, submergem as vontades abrigadas dos homens. Muito mais do que edificações do concreto, os ambientes ali registrados documentam um ritual diário de sentimentos incontidos.

Foto: Nathalia Bertazi

Como se não bastasse, a mesma Nathalia se reveste de outras personas e amplia sua visão para tatear a tez da própria vida. Assim o faz quando promove um sensível recorte sobre o gestual emblemático da passagem do tempo. Aqui, a fotógrafa vislumbra a poesia encerrada nas marcas travestidas de maturidade. O estado de coisas ao qual poderíamos apressadamente nomear de velhice é sobejamente percebido como um retrato ativo da existência, demarcando contornos que extrapolam a simples constatação dos anos já vividos.

Confessando-se uma verdadeira apreciadora de cidades, linhas, curvas e janelas, Nathalia Bertazi traz de longa data a sua paixão pela arte de captar a luz. Desde a infância, a fotografia se apresentou como uma companheira inseparável. Os anos se passaram, ela aprimorou sua formação na área, e hoje dedica a integralidade de seu tempo ao ofício, trabalhando como editora de imagem na Revista GQ.

Seja na captura de atmosferas de convívio ou na forma como apresenta os arcabouços físicos que nos envolvem, a visão de Nathalia definitivamente aponta para uma rota de transcendência. E o ingrediente que torna a sua arte muito próxima de um flerte com o teor sublime é justamente a perspectiva de assimilar alguns vestígios humanos como elementos indispensáveis de um processo original de construção imagética. Se ainda resistem múltiplas zonas de conflito a povoarem nossa capacidade de enxergar o substancial das coisas, é também porque não nos permitimos afugentar certos vícios domesticados.

Foto: Nathalia Bertazi

* As fotografias de Nathalia Bertazi são parte integrante da galeria e dos textos da 90ª Leva.

 

 

 

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2 Comentários

  1. Muito interessante!
    Resenha, conteúdo e imagens!
    Abraxas,
    Augusto.

  2. Belo texto! A delicadeza do texto dialoga com a sutileza da vida captada nas imagens. Lindo!

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