Olhares

O idioma das sutilezas

 Por Fabrício Brandão

Rebeca Prado

Ilustração: Rebeca Prado

 

São mãos a percorrer rostos e gestos. Pequenos universos a abrigar também a intensidade natural das cores escolhidas. O resultado aponta para o surgimento de um traçado irreverente na observação da vida. Dada a multiplicidade de tons, a arte da mineira Rebeca Prado revela-se um misto de doçura e inquietude, quiçá um contraponto dentro de um jogo necessário de equilíbrios.

Eis que não nos basta mencionar a convergência entre sentimentos supostamente opostos. De fato, não. E o que Rebeca propõe reside num plano simultaneamente concreto e intangível. Palpável na medida em que nos incita a sermos personagens de suas representações de mundo. Imponderável quando os ambientes sugeridos fazem parte de uma ampla dimensão na qual a abstração pretende-se inteiramente livre.

Há sutileza nos temas propostos. No entanto, o convite da artista é para que façamos um uso muito mais reflexivo sobre tudo. Num rico painel que agrega níveis complexos de delicadeza, Rebeca incita-nos à provocação. Assim, pequenos fragmentos cotidianos e seus cenários perfazem arremates certeiros em nós. Seja pela pungência do elemento crítico, seja pela evocação de alguma serenidade, ilustrações e desenhos servem a um ideal vigoroso: não passamos impunes diante da beleza e do espanto da vida.

E como, por natureza, somos seres recorrentemente míopes, a acidez do tempo vem quebrantar os laços confortáveis. Ainda assim, os incômodos não conseguem superar os dotes de uma ternura reinante, verdadeira arma do olhar. Tanto nos postais quanto em boa parte de seus desenhos e ilustrações, Rebeca não abre mão de suas lúcidas leituras de mundo. Se a atitude crítica permanece vigilante, os recursos poéticos também assumem seu lugar. Nesse movimento, as tensões internas harmonizam-se a favor de um conceito orgânico em matéria de arte.

Rebeca Prado

Ilustração: Rebeca Prado

 

 Apesar de sempre ter gostado de desenhar, já passou pela cabeça de Rebeca a vontade de ser astronauta e bióloga. Hoje, sobretudo como ilustradora, quadrinista e professora de desenho, ela revela-se ávida por tudo o que o mundo é capaz de lhe proporcionar em termos de imagem. E verter isso em criações também deriva de influências das mais variadas possíveis, como o design gráfico, quadrinhos, arte urbana, animação e ilustração infantil.

O momento atual da artista contempla a feitura de tirinhas, divididas em duas séries, “Navio Dragão” e “Sutil ao Contrário”, ambas publicadas semanalmente em sua página. Vale ressaltar que, nesse território, o humor aguçado e inteligente pontua marcantemente as criações. Rebeca também confecciona diversos materiais gráficos para venda, como pôsteres, postais e quadrinhos, além de integrar o “Selo Maritaca”, de quadrinhos independentes.

A arte tem uma propriedade bastante especial de romper estruturas embrutecidas. Quando se afirma isso, podemos considerar que uma das facetas dela é a de viabilizar uma apreensão menos pesada de tudo que nos acomete. Sem perder a porção inquieta e incomodada da existência, carregamos conosco os dotes inalienáveis da fantasia. No curso dos mares da abstração, ir além é um imperativo. Expondo sua rota, Rebeca Prado nos empresta sua bússola.

 

Rebeca Prado

 

* Os desenhos, ilustrações, tirinhas e postais de Rebeca Prado são parte integrante da galeria e dos textos da 95ª Leva

 

 

 

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