Olhares

Entre mundos

Por Fabrício Brandão

 

Valéria Simões

Foto: Valéria Simões

 

Entre os vãos daquilo que imaginamos ou vivemos, um mundo explode à nossa volta. Dentro dele, desenham-se cenários, epifanias humanas, outras possíveis dimensões. Há que se falar no concreto das coisas e na sua projeção aparente. Há que se falar também em abstrações ou em como estamos diante de esferas intangíveis. E, quando não temos o controle imediato das situações, passamos a meros observadores desse jogo de representações que é a vida.

Quem fotografa lida com um universo de paralelismos. Num arranjo cênico moldado pelo cotidiano, os olhares se entrecruzam. Sujeitos e objetos captados pelas lentes rompem a noção de passividade e ganham um status de protagonismo. Assim, surgem novas maneiras de vislumbrar a existência. O fotógrafo, artesão da luz, é também arrebatado por toda a sorte de elementos que emanam do exterior como se estes últimos o escolhessem. Coexistem, num mesmo plano, as investidas do artista e a representação autônoma com que seres e coisas se apresentam.

Revertendo a tradicional visão das atuações, seria como afirmar que o fotógrafo é quem é eleito pelo seu alvo. Se por um lado tal constatação traz uma carga subjetiva muito forte, por outro, aponta para uma perspectiva através da qual cabe ao artista perceber certos atrativos sinais. Temos essa sensação ao contemplarmos o trabalho de Valéria Simões, sobretudo pelo fato de que as pequenas delicadezas contidas no dia-a-dia ganham destaque aos olhos da artista.

Registrar pessoas é algo que ocupa um lugar especial na trajetória de Valéria. Nesse aspecto, está em foco a habilidade de interferir o mínimo possível no curso natural dos personagens e seus respectivos ambientes. Como ela mesma confessou, numa entrevista concedida à Diversos Afins, o segredo consiste em se misturar da forma mais espontânea possível. E é assim que múltiplas faces são mostradas, tanto nos rostos retratados quanto em lugares nos quais as intervenções humanas deixaram suas marcas mais evidentes.

 

Valéria Simões

Foto: Valéria Simões

 

Por trás da rotina que envolve a tudo e todos, paira um manto poético com o qual a fotógrafa apresenta o grande palco da vida. São cores, formas, linhas, gestos a compor a dinâmica da existência. Os espaços urbanos revelam sentidos tanto de ocupação quanto de ausência, todos eles denotando uma simbologia própria.

A fotografia está na vida de Valéria Simões desde o início dos anos 1990. Alguns de seus trabalhos foram premiados dentro e fora do país. Participou de diversas exposições, tanto individuais quanto coletivas, no Brasil, Peru, Canadá e França. Em cinema, assina a fotografia de cena de filmes como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (São Paulo – 2002) e “Trampolim do Forte” (Bahia – 2008). Fez de sua casa, em Salvador, uma verdadeira galeria, lugar onde recebe convidados, artistas e pessoas interessadas em adquirir suas obras.

Transitando entre mundos, os olhares de Valéria enaltecem o ritual singelo da vida. Diante da delicadeza e da simplicidade com as quais se depara, a artista não se furta ao ato de nos revelar que nas coisas costumeiramente despercebidas há sabores elevados.

 

Foto: Valéria Simões

 

 

* As fotografias de Valéria Simões fazem parte da galeria e dos textos da 104ª Leva

 

Fabrício Brandão é um dos editores da Revista Diversos Afins. Cultua livros, discos e filmes com amor táctil e espiritual.

 

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2 Comentários

  1. Belíssimo texto. Muito bom estar com vocês mais uma vez.
    “Imagens são palavras que nos faltam.
    Poesia é a ocupação da palavra pela imagem”
    MB
    Forte abraço

  2. Muito feliz de estar com vocês mais uma vez.
    Grande abraço,

    Valéria

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