Olhares

Conjunções urbanas

Por Fabrício Brandão

 

Ricardo Laf

Foto: Ricardo Laf

 

A cidade apresenta seus matizes. E há muito por trás disso. Tudo traduzido num ritual de cores, linhas, formas, luzes, sombras e gestos. Dentro da metrópole, reinam sentidos múltiplos, escondem-se outros tantos segredos. O concreto não existe por si só, enquanto resultado de décadas e décadas de feituras arquitetônicas, mas assume uma nova conformidade na medida em que os habitantes dos seus domínios alimentam o vaivém dos dias com o fluxo das suas ações.

Estar numa cidade é fazer parte de um imenso campo de abstrações. Por mais que se tome as coisas como fruto imediato das observações mais aparentes da vida, um quê de mistério ainda resiste. Quanto sentimento pode caber nos corredores viários, nas ruas, alamedas e avenidas? O que, de fato, define as paisagens urbanas?

São questões razoáveis, plausíveis. Certamente, a resposta está no modo como as intervenções humanas protagonizam seus papeis. Na caótica rotina urbana, pessoas passeiam suas efusões e dores, carregam suas máscaras, consolidando um verdadeiro e difuso espaço de representações.

No trabalho de um fotógrafo como Ricardo Laf, a imagem traz em si um caráter fortemente voltado aos aspectos acima descritos. É como se o artista retivesse instantes e extraísse deles alguma máxima do tempo, espécie de testemunho insone das coisas.

Ricardo Laf

Foto: Ricardo Laf

Nas fotografias de Ricardo, a perspectiva física dos lugares vem redimensionada pelas marcas que os homens assinalam em suas passagens. Assim, a matéria incorpora os ecos de seus personagens transformadores, assumindo também uma faceta ativa. É como se houvesse uma confluência entre os dois mundos, um de carne, outro de pedra.

Quando incursiona pelas vias citadinas, o olhar desse artista mineiro também sonda vestígios, verdadeiros lugares de ausência que são pressupostos de silenciosos e anteriores ímpetos humanos. O saldo dessas marcas reflete um complexo painel de histórias camufladas pela rotina. Aos poucos, vislumbramos também narrativas de vida dispersas nos vãos da colossal matéria. Mesmo onde impera algum tipo de devastação, uma memória ali se instalou.

Jornalista por formação, Ricardo Laf também estudou Ciências Sociais, Teoria da Literatura e Semiótica. Confessa-se com uma intenção estética de, através da fotografia, dar vazão ao registro visível do mundo. Sua relação com a imagem remonta à mais longínqua infância, despertada por uma pueril curiosidade.

Bem sabemos que muito se perde no torvelinho cotidiano. De tão acostumadas, nossas horas tendem a refletir um ciclo de ações por vezes mecânicas. Com tal comportamento, alteramos as configurações dos espaços em que transitamos sem sequer desconfiarmos que neles alguma porção da vida restou coagulada. E o que mais fascina nesse automático processo de desprezo é saber que de algum modo alguém nos chamará a atenção para as sutis epifanias do esquecimento, seus cenários repletos de histórias possíveis.

Ricardo Laf

Foto: Ricardo Laf

* As fotografias de Ricardo Laf são parte integrante da galeria e dos textos da 108ª Leva

Fabrício Brandão é um dos editores da Revista Diversos Afins. Cultua livros, discos e filmes com amor táctil e espiritual.

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