Olhares

As libertárias silhuetas de Rety Ragazzo

Por Fabrício Brandão

ret ragazzo

Desenho: Rety Ragazzo

Um vasto mundo pode ser reproduzido através de um determinado ponto de vista. E tal peculiaridade assume um importante valor quando não se fecha ao jogo inútil dos determinismos. Quem expressa em seu ofício uma específica vertente do pensamento, não pode impor ao outro padrões de observação. Importa deixá-lo à vontade nos domínios dessa majestosa senhora chamada percepção.

Mas eis que uma artista como Rety Ragazzo, ao nos indicar seus caminhos autorais, aponta para contemplar o mundo com o poder das formas. Dona de um estilo próprio, ela recria a experiência humana ao representar o universo feminino pela abundância corpórea de suas personagens.

Mais do que apresentar em seus desenhos e ilustrações o corpo feminino avantajado por vias naturais ou de quaisquer ordens, Rety consegue extrair da sua arte um sentido especial de libertação. Na medida em que esteticamente professa um traço singular sobre as figuras humanas retratadas, a artista promove uma construção inclusiva da mulher gorda dentro de uma ótica que afugenta indícios de panfletarismo.

De fato, a artista em foco abraça a causa das mulheres gordas por também se assumir como sendo uma delas. E assim nos diz: “Tenho muitas dobras e, desde que parei para observá-las, resolvi desenhar a quebra de padrões e ampliar discussões feministas e contra a gordofobia”.

Rety Ragazzo

Desenho: Rety Ragazzo

O que deseja, então, a artista quando nos apresenta a vida povoada por mulheres gordas? Não há dúvida de que a resposta para tal questão encontra abrigo num valioso fator de provocação. Aparentemente, vemos um mundo povoado exclusivamente por aquelas mulheres. No entanto, a principal simbologia dessa opção criativa está na crença de que gordos são naturalmente integrantes do mundo sem que seja relevante olharmos para eles com os matizes da diferença física. Melhor ainda é perceber que a representação formal de mundo habitado apenas por pessoas gordas não prejudica o caráter de igualdade sugerido pela artista. É como se, gordos ou magros, também estivéssemos ali expostos com as devidas marcas de nossas individualidades.

A arte de Rety segue pelas trincheiras da ruptura de padrões e não hesita em firmar posições ideológicas diante da vida. Além de acumular as feições de pedagoga e professora da educação infantil, toma para si as frentes de feminista e esquerdista. Confessando-se uma mulher em emancipação, a artista torna o conceito de liberdade algo dinâmico na medida em que a construção de sua identidade se opera num deslocar de espaço e tempo, na vivência cotidiana que a tudo vê e sente, das coisas banais até as mais complexas.

Rety também expande seus traçados para outras fronteiras. É, por exemplo, o caso da  série “santos & orixás” (desenhos bem humorados feitos em parceria com Ana Roxo). Há também uma multiplicidade de tons e formas agregados sob a alcunha de “traços livres”.

Com a liberdade entre os dentes, Rety Ragazzo reinventa a própria existência e tudo que a cerca. Investe contra a rotina dos dias de modo a transformá-la numa fundamental aliada de sua arte. Cumpre seu ritual de pessoa comum e é capaz de desvendar pequenos mundos constantemente. Permite-se voar mesmo com os pés fixados ao chão.

Rety Ragazzo

Desenho: Rety Ragazzo

*Os desenhos de Rety Ragazzo são parte integrante da galeria e dos textos da 113ª Leva

Fabrício Brandão edita a Revista Diversos Afins, além de buscar abrigo em livros, discos e filmes.   

 

 

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1 comentário

  1. Parabéns Rety!
    Grande trabalho!!!
    Bela intenção!
    Lindas mulheres!!!!
    Bj

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