Olhares

As inexplicáveis visões da rua

 Por Fabrício Brandão

 

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Foto: Milton Boeira

Um simples movimento para além de nossos domínios supostamente protegidos e muita coisa já parece diferente. E tal transição não é feita apenas de mudanças do ponto de vista físico, mas essencialmente de alterações de percepção, algo que habita o campo abstrato da vida.

Estar na rua é, para muitos, um necessário exercício de libertação. Mas aqui não falemos de um conceito encerrado apenas nas infindas possibilidades de um ir e vir, o que nos apresentaria de imediato uma noção mais óbvia de liberdade. Pensemos naquilo que nos aguarda quando entrecruzamos nossas experiências com as de tantas outras pessoas, as quais automática, rotineira ou despercebidamente também constroem o mosaico complexo das cidades.

Bem sabemos que o concreto e suas múltiplas acepções arquitetônicas são uma espécie de lado aparente das coisas, quiçá dos sentimentos humanos. No entanto, é percorrendo alguns sinais deixados pelos ímpetos pretensamente civilizatórios que conseguimos entender um pouco que tipo de gente empresta seus tons à dinâmica de ruas, avenidas, esquinas, moradas, pontes, torres, viadutos, catedrais e arranha-céus.

Há quem nos permita saborear a experiência visual dos lugares numa atitude ao mesmo tempo contemplativa e densa. É o caso do fotógrafo Milton Boeira, artista que estabelece uma especial maneira de mergulhar no universo urbano. Cada apresentação dos espaços contida nas lentes dele faz com que nos sintamos abraçados pela poética emanada de um vasto tempo, personagem que se desloca ditando o ritmo da existência.

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Foto: Milton Boeira

Depois de promover um mergulho de anos à caça de imagens urbanas que melhor definissem sua procura, Milton chega num resultado ao qual batizou por “Metrópole”, projeto que lhe rendeu duas exposições individuais. O saldo dessa busca é um verdadeiro acervo de sensações, seja na forma como retrata pessoas e lugares, seja no modo como extrai do todo observado um sentido de pertencimento.

É justamente por se sentir parte integrante do espaço urbano captado que Milton Boeira faz de sua arte um espelho de vivência. Em lugar de observar a tudo com estranhamento e enaltecer distanciamentos proporcionados pela alteridade, coloca-se como um ser componente do mundo por suas lentes apresentado. Tal sentimento é tão amplo que o artista nos confessa: “Me sinto parte da rua, da calçada, da arquitetura e principalmente das pessoas”.

Nascido no Rio Grande do Sul, Milton atualmente reside em Curitiba, cidade que lhe possibilitou estudar fotografia como arte. Apropriando-se de um conceito denominado Pós-Fotografia, além de uma marcante influência das Artes Gráficas, aponta como norteadoras do seu trabalho de construção visual temáticas ligadas a pessoas, arquitetura, natureza urbana, signos, cultura, dentre outras.

Se há uma contraposição habitual entre interno e externo, duas esferas de vivência aparentemente diferentes, a arte de Milton Boeira parece ignorá-la. É como se fazer parte do mundo fosse o entendimento de uma coisa só: visitar e sentir paisagens urbanas sem perder dessa experiência o valor dos instantes, o poder dos deslocamentos imateriais.

Milton Boeira

Foto: Milton Boeira

 

*As fotos de Milton Boeira fazem parte da galeria e dos textos da 114ª Leva

 

Fabrício Brandão edita a Revista Diversos Afins, além de buscar abrigo em livros, discos e filmes.

 

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