Pequena Sabatina ao Artista

Por Clarissa Macedo

 

Nathan Sousa (Teresina, 1973), é poeta, escritor, professor, tecnólogo em Marketing e letrista. E poeta, mais que qualquer outra coisa, já que é da costura lírica de seu verbo de onde nascem poesia, prosa e música – esta, aliás, que já lhe rendeu mais de 30 composições gravadas em parceria, dentre outros, com o maestro Beetholven Cunha, e que já foram interpretadas em Portugal e na Inglaterra. Radicado em São Gonçalo do Piauí, ele é autor dos livros O percurso das horas (Edições do Autor, 2012), No limiar do absurdo (LiteraCidade, 2013), Sobre a Transcendência do Silêncio (Prêmio LiteraCidade 2013), Um esboço de nudez (Penalux, 2014), Mosteiros (Penalux, 2015) e um romance: Nenhum Aceno Será Esquecido (Penalux, 2015). Mais que títulos exuberantes, que já revelam um pouco do perfume que exala de suas linhas, os livros do autor referido são fortes e bem regados; pois ele tem o cuidado que a palavra exige para os que dela bebem. É Ivan Junqueira quem nos alerta: “Não sou eu que escrevo o meu poema: / ele é que se escreve e que se pensa, / como um polvo a distender-se, lento, / no fundo das águas, entre anêmonas / que nos abismos do mar despencam.”. E é esta a sensação que desabrocha durante a leitura de um livro como Mosteiros, por exemplo: uma autonomia, porque, depois de sentirmos, instância primeira que se despe durante a contemplação de um artefato artístico, mesmo com os protestos da arte conceitual, notamos a palavra erguida de sua própria matéria, sem aquele zelo excessivo que deixa o verso raquítico e o poema sem corpo de tão insosso. O que se desvela é uma literatura sem arestas, mas proeminente de golpes e pétalas:

 

Destilado

 

não mais poderia aquela imagem
flagrar o espanto em que meus olhos
armou suas persianas de água.
e agora que correr é um exercício
de luz e córnea (um desentranhar
de sonho e acervo) aparo as gotas
de meu precipício para destilar
a sede de outras intempéries,
burladas entre o vermelho e o lenço.

 

A identidade de sua escrita é a beleza, em seu sentido mais vivo e carnal; é o lírico destilado, fecundado, cheio de imagens que pescam o leitor de um só arranque.

Integrando 20 antologias e sendo vencedor de 23 prêmios literários, dentre eles o Assis Brasil 2013, o II Prêmio de Literatura da Universidade Federal do Espírito Santo, o Prêmio Machado de Assis 2015, da Confraria Brasil-Portugal, e o Prêmio José de Alencar 2015, da União Brasileira de Escritores – UBE, Nathan tem poemas publicados em algumas das principais revistas de literatura do Brasil, é membro da Academia de Letras do Médio Parnaíba e membro-correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG. Seus livros estão em 36 bibliotecas espalhadas por 12 países. Mosteiros está na lista do projeto de tradução da Universidade de Santiago, no Chile.

Mais que um vasto currículo para um escritor que vem publicando há pouco tempo, Nathan Sousa é poeta. E sua obra sussurra plenitudes e coerências, com o espírito daqueles que elegem a literatura como o percurso das horas.

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Nathan Souza / Foto: arquivo pessoal

                                     

DA – Nathan, iniciando por uma pergunta clichê: como começou isso de escrever literatura?

NATHAN SOUSA – Fiquei realmente encantado com a literatura ainda na adolescência, com os livros de uma tia (Tia Nileide). Depois, aos 14 anos, em Teresina, eu conheci a Biblioteca Desembargador Cronwell de Carvalho e fiquei encantado com todo aquele universo. Acabei me tornando, e digo sem modéstia, um leitor compulsivo. Mas, decidir escrever, alimentando a ideia de um dia ter um livro publicado, isso só me ocorreu em 2010, quando eu já tinha 36 anos.

DA – De onde parte o que você escreve?

NATHAN SOUSA – Parte da combinação entre a minha experiência de vida (meu contato com o mundo real, minhas perspectivas, meus anseios, minhas perdas e ganhos), o acúmulo verbal que eu consegui ao longo de todos esses anos dedicados aos encantos da literatura, somando-se a isso o olhar automatizador que sempre me perseguiu e que está sempre muito afeito ao meu processo de maturidade. Este ímpeto pelo dizer que nós não sabemos mensurar, nem dizer para onde vai.

DA – A literatura é, por excelência, criadora de uma zona discursiva marginal, que trabalha com sentidos mais amplos e imaginários. Como você mencionou, somado a isso, a criação e a própria literatura são um “ímpeto pelo dizer que nós não sabemos mensurar, nem dizer para onde vai.”. Em que medida é possível “utilizar” a literatura? O que ela vale numa sociedade como a que vivemos?

NATHAN SOUSA – Há um “modo continuum” na natureza humana que direciona nossas ações para a satisfação das necessidades em seus avançados graus. Mas, pegando de empréstimo um termo do genial João Cabral de Melo Neto “isso ainda diz pouco.”. A literatura serve, antes de tudo, para nos fazer compreender melhor essa complexidade desenfreada de relações a que chamamos de sociedade. Impulsiona o homem para o mergulho na subjetividade e, de lá, abre seu campo de visão. Há centenas ou talvez milhares de livros, por exemplo, a respeito do sul dos EUA. No entanto, quando o leitor se depara com os romances de Faulkner, passa a ter uma compreensão maior desse amálgama de vidas, de relações econômicas, enfim…. do conjunto que formou aquela região.

DA – E você acha que ela á apontada como “difícil”, “cansativa” por um público por ser um mergulho tão intenso na subjetividade? Por perfurar mais que acolher?

NATHAN SOUSA – Literatura é, antes de tudo, uma devoção. É subir ladeiras sem se importar com as dores. E esse ato, para os verdadeiros escritores e poetas, traz sensações que passam despercebidas, tendo em vista que a leitura e escrita sempre serão atos da mais pura existência. Depois é que vêm a mídia, os holofotes, os prêmios, as badalações… mas se não vierem, a devoção continuará a mesma.

DA – O que significa, em seu íntimo, chegar aos lugares por onde a literatura tem te levado?

NATHAN SOUSA – Significa um reencontro. Sim, eu me reencontro de forma consciente nos momentos de experiências de leitura, de releitura, quando vou aos saraus, quando sou homenageado, quando lanço livros, quando falo, incansavelmente, de literatura, desta necessidade inexplicável de ler, de escrever, de revelar e se deixar levar pelos mistérios que a própria literatura arrasta consigo.

 

DA – O que é para Nathan Sousa ser premiado pela UBE e finalista do Jabuti?

NATHAN SOUSA – Os prêmios ajudam, principalmente, a divulgar a obra. Sabemos que a literatura não recebe um tratamento caloroso aqui no Brasil. Ser premiado, e em romance, pela UBE, seguido de estar entre os finalistas (em poesia) do mais destacado prêmio das nossas letras, o Jabuti, é afirmar que tudo o que eu fiz até aqui, em matéria de arte literária, valeu a pena. Já valeria sem os prêmios. Dá-me também a sensação de que as minhas escolhas (mergulhar nos clássicos e me refrescar com o que há de mais significativo na produção contemporânea) estão me levando para onde eu verdadeiramente quero, ou seja, para aprender a escrever melhor, sempre melhor.

 

DA – E além de escrever melhor, até onde você quer ir com/na literatura?

NATHAN SOUSA – Até onde minhas últimas forças puderem me permitir pensar, debater, ler e escrever, mergulhar nesse universo. Eu não conseguiria fazer outra coisa na vida. Portanto, ainda penso no mundo, na minha razão de viver, no sentido dessa caminhada, como uma grande biblioteca. Sou, assumidamente, borgiano, nesse aspecto. Ainda tenho muitas aspirações como poeta e escritor (a de continuar buscando novas experiências de linguagem com a poesia; a de escrever um grande romance (uma grande novela), a de ler muito, mas muito mais).

Nathan Sousa

Nathan Sousa / Foto: arquivo pessoal

DA – Você fala sobre escrever um grande romance. O romancista e o poeta se encontram em algum momento?

NATHAN SOUSA – Sim, a todo momento. Eu costumo dizer que o que enriquece a minha poesia é a suposta afinação com a prosa de ficção e vice-versa (risos).

DA – Você saberia definir sua obra? Elegeria algum tema central?

NATHAN SOUSA – Certa vez, Garcia Márquez disse que todo escritor está sempre escrevendo o mesmo livro. Ele disse que o dele era o livro da solidão. Seguindo essa concepção do mestre do realismo mágico, eu diria que a minha escrita tem enveredado pela estrada da transcendência e do silêncio. Não sei definir com clareza a minha literatura, mas sei muito bem que eu realizo o ato de escrever para alargar a minha identidade, e não somente para me reconhecer existencialmente.

DA – Conte-nos sobre sua experiência como mais novo membro da Academia Luminescência Brasileira – ALUBRA.  

NATHAN SOUSA – Fui indicado à Academia Luminescência Brasileira – ALUBRA, por dois membros de lá. A instituição tem sede em Araraquara-SP. As academias são clube e não seleção, como quer a maioria. Eu sou membro e atual secretário geral da Academia de Letras do Médio Parnaíba. Entrei aos 39, mais para representar o orgulho de minha mãe, que faleceu um mês antes da minha posse, no começo de 2013. Pelo menos no meu caso, a academia me aproximou de outros escritores e poetas de uma forma mais intensa e harmoniosa. Eu ainda acredito que muito pode e deve ser feio por essas instituições, principalmente no que diz respeito à divulgação da literatura de seus membros e da comunidade que cada uma delas representa. Ainda não vimos isso, mas eu não me sentiria bem em negar o convite e ficar do lado de cá, resmungando. Ainda sou membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG.

Eu digo sempre o seguinte: Assis Brasil, O G Rêgo de Carvalho, H Dobal e Da Costa e Silva, quatro dos mais destacados nomes da literatura piauiense, fazem e faziam parte da Academia Piauiense de Letras. Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Jorge Amado faziam parte da ABL. Por que, então, eu me recusaria a ser membro de uma instituição literária que deseja ter meu humilde nome entre os seus?

DA – A respeito disso, é interessante pontuar a postura de alguns escritores que alegam não sentirem desejo de publicação, mas publicam, ou afirmam sua obra como irrelevante, embora aceitem convites para eventos literários. Como você vê este tipo de postura? Como é a sua relação com a “fama literária”?

NATHAN SOUSA – Com relação aos que se posicionam dessa maneira, a meu ver, querem conservar uma posição de elegância pela ausência, pela despretensão, por uma simplicidade que é típica dos que querem ser lembrados, mas não querem ser vistos. Tenho convivido com certa projeção literária em tempo muito curto de carreira, não nego. Eu tenho procurado aproveitar essa projeção para tentar realizar dupla função: promover a minha escrita/despertar o gosto pela leitura e a coragem para publicar. Tenho me deparado, ao longo dos últimos três anos, com poetas de boa qualidade, enclausurados na redoma do receio. Eu digo a que vim no meu primeiro poema (Combate, vide O percurso das horas – 2012): “Escrever poemas / é como rasgar a camisa / mostrar o peito / se armar com uma faca cega / olhar no olho do mundo / e autorizar: / pode vir”.

DA – Rasgar a camisa exige coragem. E além de coragem, como uma espécie de mensagem, o que mais você gostaria de dizer aos leitores da Diversos Afins? (desde já registro o meu muito obrigada pela sua disposição em responder essas perguntas).

NATHAN SOUSA – Eu agradeço imensamente por essa entrevista tão rica e tão amigável, o que não poderia ser diferente, em se tratando de uma entrevistadora/poeta com a sua competência e afinação com as palavras, e gostaria de dizer aos leitores da Diversos Afins que intensifiquem cada vez mais o gosto pela leitura. Ninguém sairá perdendo com isso.

Clarissa Macedo nasceu em Salvador e vive em Feira de Santana, Bahia. É licenciada em Letras Vernáculas (UEFS), mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela mesma instituição e doutoranda em Literatura e Cultura pela UFBA. Atua como revisora e professora. Ministra oficinas de escrita criativa. É autora de “O trem vermelho que partiu das cinzas” (2014) e “Na pata do cavalo há sete abismos” (Ed. 7 Letras).

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