Sara F. Costa
As regras de Tagame
senta-te na vida
como no suicídio,
somos feitos de metal febril,
responde-me com a garganta iluminada,
és o espectro nómada
das noites que passo com o tagame,
um Rimbaud cansado
já aos quinze.
existes-me nos becos sinuosos
da mente, não sei se
o teu espírito rodou pela direita ou pela esquerda
mas foi Dante quem te ensinou a subir montanhas.
ainda não consegues compreender
o esforço que Max Brod fez para divulgar Kafka depois da sua morte.
és a penumbra secreta
quando te vigio a morte.
um amigo nas trevas
que percorre caminhos transparentes
onde a solidão se transforma
na música demorada dos teus pensamentos.
***
Há uma luz selvagem
há uma luz selvagem que me percorre o nome
e que enlouquece lentamente
no interior húmido da memória.
o espaço da voz
expande-se até à idade irrespirável dos objectos.
sento-me a observar a praia
e a forma como a água tem medo de se aproximar demasiado
e pousar nas perguntas.
as pálpebras escorrem-me até aos nervos.
há um frio insuportável na passagem escorregadia das horas
no gesso de cada nome,
e um sítio febril onde a inteligência consegue deteriorar
todos os vestígios decifráveis de vida.
cada nome, no interior imóvel do seu ventre,
no sangue fervido das noites,
transporta uma luz pesada,
impronunciável.
***
Cheguei demasiado cedo
ao colo da floresta,
quando falei,
falei extremamente baixo
sobre as mitologias
da linguagem.
se alguém me ouviu
foi porque este oceano pedestre
a que chamas existência
me deixou mergulhar
nas vertigens dos campos.
deixa-me conduzir
esta voz
até à intimidade do céu.
***
Anuncie aqui
anuncie aqui,
temos o que procura,
clientes de existências quentes,
astros estendidos no comprimento da boca.
anuncie aqui a sua solidão
o seu medo assimétrico,
o seu bom coração.
havemos de lhe encontrar
alguém sensível
com ossos audíveis,
botões em zonas estratégicas,
onde pode parar ou começar
os violinos,
as cortinas,
a paisagem.
a cortina paisagística
e um soneto capaz de cobrir a visão.
anuncie aqui
e anuncie ali
quanto mais se explorar
mais hipóteses tem de ganhar.
tudo amadurece,
até o silêncio
aquele que ressoa por esta febre
febre que se arrasta pelo poema,
poema que se verga
para o seu interior de mar.
as rosas brotam
o leite envenenado
dos nossos direitos mais antigos.
o avião transporta o peso
da luz
e a água da manhã atravessa
o brilho abandonado das mulheres
selvagens que te tecem o sono.
amanhã as fábricas recomeçam
a queimar os seus mortos
e deus ressuscitará entretanto.
***
A conquista da Polónia
a tua fala loira desdobra-se em pedaços brancos de pele
esta música goteja com o teu sangue,
o apetite dela do tamanho do meu.
orgulho-me das tuas veias tão salientes,
da altura assustadora dos instintos.
chove por dentro do desejo
e eu quero enterrar-te ainda esta noite,
quando passar o próximo comboio
terei o teu peito molhado,
os teus ossos transpirados
por aquela vontade de viver
mas antes do comboio passar
navegarei na tempestade azul dos teus olhos
e terei os teus lábios gelados
como o norte,
sentir-me-ei a rainha da Polónia.
Sara F. Costa (1987) Natural de Oliveira de Azeméis, Portugal. Licenciada em Estudos Orientais e Mestre em Estudos Interculturais: Português/Chinês pela Universidade do Minho e Universidade de Línguas Estrangeiras de Tianjin, China. Tem publicadas as obras poéticas: “A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos” (Prêmio Literário Serra da Lousã, Pé de Página editores), Uma Devastação Inteligente (Prêmio Literário João da Silva Correia, Atelier Editorial) e “O Sono Extenso” (Prêmio Literário João da Silva Correia, Âncora Editores).
mAIS UMA BELA POETISA PORTUGUESA OARA MINHA COLEÇÃO. aMEI OS POEMAS DA sARA. eSPERO ENCONTRAR SEU IVRO AQUI NO rIO
pARABÉNS
mARIA