Janela Poética I

Alex Simões

 

Deborah Dornellas

Desenho: Deborah Dornellas

 

oh ménage

 
porque existe a meta física
e é tua carne que procuro
foda-se a tradição lírica
saio de cima do muro
e se a reta é meio oblíqua
e viver não tão seguro
lhe proponho uma promíscua
relação a dois e juro
sermos tão multiplicados
nosso encontro tão fictício
que bastamos prum animado
sexo grupal vitalício.
quantos vivem em você?
com quem posso me entender?

 

 

 
***

 

 

 

meu canto pras paredes

 
o preconceito é uma parede enorme
contra a qual desde sempre me empurraram
mas se tentaram e não me executaram
é que aprendi bem cedo que não dorme
o apontado: preto bicha pobre
no paredão cresceu e ficou forte
em que pese a dor que o véu da morte
bem do seu lado alguns amigos cobre
e é por eles que não me vitimo
nem quero mais derrubar a parede
apenas canto para além de um íntimo
desejo: reforçar rizoma e rede
cheia de nós, que não estou só, sou vivo.
picho a parede: verso afirmativo.

 

 

 

***

 

 

 
e viva à liberdade de opressão
na terra onde quem tem muitos direitos
exerce o seu direito à opinião
de ser melhor que quem não tem direitos
porque direitos há, não pra insolentes,
aqueles que reclamam sem saber
que nesta terra os bons e os inocentes
são assim definidos ao nascer
e quem nasceu no meio de pessoas,
que são consideradas de segunda
classe, tem chances de viver de boa:
falar a língua deles ou da bunda
viver mexendo pra escapar do abate.
entre a guerrilha e a festa, deu empate.

 

 

 
***

 

 

 

se queimamos
(soneto alexsandrino e vândalo)

 
se queimamos neurônios fazendo poesia
em manifestação, em protesto, em-progresso,
deitado em rede em casa no sofá congresso
no altar no chão da praça, bar, tabacaria
sim queimamos neurônios fazendo poesia
ganhaperdemos tempo bloqueando o acesso
ao projeto do decréscimo do ingresso
do contingente em excesso à perolaria
porque escrever é contra porque escrever é incerto
porque o poema só existe em um livro aberto
e não há nada que cale a boca do poeta
não há juiz que dê um outro veredito
se o poeta-réu deixou em seus escritos
um pouco de sangue ou Pandora, na boceta.

 

 

 
***

 

 

 

bursite, tradição e tá lento, o individual

 
doem-me os ombros, tantos são os pesos.
línguas mortas e vivas misturadas,
a plêiade no peito embaralhada,
os esquecidos como contrapeso.
mil vozes confundidas no desejo
de ter consigo a minha entrelaçada
e o medo de parar na encruzilhada,
entre rimas ideias e solfejos.
a folha em branco amarelada está.
há sempre um risco de perder-se, há
sempre um mesmo fantasma em breve assomo.
o mundo derretendo-se em milênios:
poetas trôpegos, prestos boêmios,
eu e você cantando velhos nomos.

 

 

 

***

 

 

 

sóbria declaração

 
não me inspiras vãos clichês caducos,
versos de amor com intenções de morte,
linhas inúteis mas com tom de porte
palavras tolas para o amor de eunucos.
não me inspiras mais do que tu és
e és o que vejo, nada mais que isto,
sou o que quiseres e por ter-te visto
lanço-me a ti, mas não te beijo os pés.
é que no amor não me contenta a espera
nem mesmo a dor inútil de não ter.
prendo-me à vida, não curto quimeras,
dou-me por partes, se tiver prazer.
neste soneto que a ti dedico
peço que leias o que não, escrito.

 

 

 

 

***

 

 

 
à literatura em si

 
este soneto não quer ser a obra
de um autor desesperado e circunspecto
que produz aos magotes poemetos
para neles caber o que foi sobra
de outro poema que não se quis sobra
do nariz entalhado por Gepeto.
este soneto não é um soneto
e este quarteto não é do outro a dobra,
nem sexteto os tercetos em sequência
de rima interpolada, aqui cosendo
a virtuosa e vazia inexperiência
em um registro que vai, num crescendo,
da língua que se fala sem ciência
a um saber que se constrói: fazendo

 

 

 

***

 

 

 

os versos? esconderam-se no escuro.
portanto, sempre dizem mais, que eu saiba.
esperam decantar, para que caiba
a poesia nos corações duros.
palavras não significam somente
o que delas esperar. poemas
não são meras conjunções de monemas.
não os entendas, apenas os sente.
abre o coração mais que os ouvidos
e recebe a poesia com amor,
sem pressenti-la, deixa-a, por favor,
pronunciar-te o mal dos consumidos
e ainda os prazeres incontíveis.
e expurgarás a dor com que convives.

 

Alex Simões é poeta, tradutor e performer. Publicou “Quarenta e Uns Sonetos Catados” (2013) e “(hai)céufies” (2014). Tem participações em diversas revistas e antologias literárias nacionais e internacionais. Os poemas aqui publicados integram o livro “Contrassonetos: catados & via vândala”, lançado em 2015 pela Editora Mondrongo.

 

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