Gramofone

Por Fabrício Brandão

 

HELTON MOURA – CÍRCULO

 

Há quem considere o tempo senhor de um tudo. Entre memórias, gestos e ações, a vida vai moldando seus caminhos. E sempre fica a sensação de que jamais teremos o controle absoluto das coisas. Se de um lado está o passado com suas imagens já estabelecidas em nós, do outro surge o presente enquanto possibilidade de renovação. Diga-se de passagem, é neste último que as rotas podem ser alteradas, seja para transformar parcial ou inteiramente o imprevisível palco da existência.

Mudam as estações e chega um momento em que a nossa intensidade e rapidez acabam cedendo lugar a uma necessidade de quietude. Deixamos de lado a verborragia de outrora e passamos a uma condição de estarmos mais abertos à escuta e a uma atitude mais contemplativa das coisas. É então, que amanhece em nós, os tais seres adultos tão embaraçados com questões cotidianas, uma vontade pura de libertação. E falar em pureza implica aliviar as bagagens da caminhada até aqui. Sugere desprendimento e evoca a aparição da porção mais pueril que possa brotar de cada um.

Tudo o que acabo de dizer acima ganha sentido quando escutamos um disco como Círculo, mais novo trabalho do cantor e compositor pernambucano Helton Moura. Ora, vejamos, o artista em questão muda radicalmente seu caminhar para agora nos conduzir por vias através das quais a leveza se faz senhora. Acostumado a intensidades vocais e textuais presentes em sua trajetória, todas elas a representar uma habitual inquietude, Helton agora resolve trilhar um caminho inversamente proporcional ao seu natural desassossego.

Círculo é muito mais do que a continuidade de uma carreira. Assinala, como confessa o próprio artista, uma necessidade de dar vez e voz ao silêncio, algo que numa leitura apressada poderia soar um tanto paradoxal para alguém como Helton. O fato é que o cantor ignora o ritmo frenético e incessante que sempre fez parte de sua vida para buscar abrigo num ambiente musical marcado fundamentalmente pela leveza e serenidade.  É nesse novo momento que a matéria-prima das canções aflora suas sublimes possibilidades.

Helton Moura / Foto: arquivo pessoal

Estamos diante de um EP com cinco faixas completamente voltadas para o frescor que a redescoberta da vida foi capaz de proporcionar a um artista como Helton. De todas as composições, Canção parece resumir bem o significado do disco, pois traz a referência maior que perpassa o presente do artista, qual seja calar a voz para ouvir pacientemente o que o silêncio tem a dizer. No fluxo poético da música, os sentimentos privilegiam tudo aquilo que não foi dito ou, quiçá, ficou pelo caminho e por dizer.

Quando escutamos a canção que dá nome ao álbum, percebemos que ela é uma espécie de ode ao desejo de leveza. Algo como seguir em frente sem as amarras que teimosamente nos impomos. Mais adiante, são os apelos de Singela que tomam conta dos ambientes. Nela, um convite à reflexão aponta para o caráter cíclico da existência, este sempre envolto em perguntas e respostas, mas que, ao fim e a cabo, retoma a origem das coisas num movimento inerente à condição humana.

Ao dedicar uma das músicas a sua filha, Pra Juju, Helton enaltece a sua busca pela serenidade. E há muito mais dentro dessa atitude, cujo principal efeito é o que leva o artista a penetrar numa dimensão pueril e dela retirar um novo aprendizado para seguir vivendo. Mas eis que, encerrando o EP, chegamos até ogisnoc oãn ue euq a, faixa que é o inverso de A que eu não consigo, a qual é reproduzida de trás pra frente. O mais curioso é pensar que este último ato do disco soa realmente como uma oração. É, na verdade, um elo com o próximo álbum do cantor, que trará a canção em seu andamento normal e encabeçando o trabalho.

Falar de Helton Moura é apresentar todo um universo que compreende uma vida voltada para diversas frentes da arte. Natural de Arcoverde, o cantor também se dedicou ao teatro, à poesia e ao cinema, além de trazer em si um componente performático em muitas de suas aparições. Seu lirismo peculiar o tornou conhecido como uma espécie de trovador contemporâneo. Círculo instaura uma nova fase nessa múltipla expressividade do artista, tão acostumada a torrentes de manifestação. O que está reservado para o hoje é um misto de superação de barreiras pessoais, revelações e descobertas intimistas e, o mais importante, a afirmação de um desejo de olhar tudo com suavidade.

 

 

 

Fabrício Brandão edita a Revista Diversos Afins, além de buscar abrigo em livros, discos e filmes. Atualmente, é mestrando em Letras pela UESC, cuja linha de pesquisa reúne Literatura e Cultura.

 

 

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