Teresa Coelho
estarei distante nos próximos 100 dias
[sem magia]
crio rituais para ser sozinha
como se a solidão
quisesse jantar
todas as noites
mas nunca chegasse a tempo
ela encontra meu corpo
recolhido
e
deita
em silêncio
como se cavasse uma cova
para uma multidão
desconhecida.
***
Construção
Este é o corpo
que funciona com
cordas suturadas
por andaimes
imaginários
o aço o sonho
o esquecimento
o sol o quadrado
o dia o estômago
o sexo o suor
as flores do outro
lado da rua
dançam todos
pendurados
sem grandes
promessas
—- Ouve o teu corpo
nascendo dos arcos inflamados
do fim de todo caminho
—- Ouve o teu corpo
nascer
Somente o que é possível
ser criado no vazio
– recitar poetas vivos
– boicotar o sex shop
– pular de viadutos esquecidos
– expectativas alcançadas.
***
a apoteose dos anos é o silêncio.
a última partida
quando soltei
a tua mão
descobri que nunca
gostei de futebol
perguntar sobre o jogo
era uma forma de
te amar
longe de mim
– hoje vago
como se estivesse
numa arquibancada
vazia –
[aquela escada
já desmoronou
pensei que tuas costas
fossem minha babel]
o último letreiro da partida:
“a felicidade é uma arma quente”
quando subi no ônibus
vi as janelas todas
decidindo
a loucura
o desastre
o grande desencanto final
rezei com todos os idiomas
do desespero
“protège moi
protège moi”
despi a cidade
com a violência
de uma criança
destroçada.
***
Isabel é codinome para partir
08h ela me acordou
08h30 eu assoprava o café
o café
doce demais
fraco demais
ausente
08h35 ela ajeitava a toalha da mesa
repetidamente
08h46 eu respirava mais baixo
09h ficaríamos em silêncio
perpetuamente
09h43 ela me comeu
11h57 eu ouvi o portão
gritar
entendi todas as cores
do mundo
todo o cheiro
desapareceria
todo o céu
seria uma parede rachando
uma rua em desencontro
um vulto do futuro
11h59 ela havia partido
definitivamente.
***
o outro lado do mundo alguém acerta sem saber
o amor devia ser assim feito preparar cuscuz
a gente mede a quantidade
com a xícara preferida
tem gente que nem precisa mais
mede pelo olho
pela boca
pelo cheiro
vai molhando aos poucos
e aperta
aperta
fica com a mão toda cheia de pequenos
cuscuz
porque antes a gente não podia
tocar
primeiro a gente molha
e desmancha as partes brutas
daí precisa esperar
porque o amarelo não vai brilhar
só vai absorver aquela água
não me pergunte como
a gente prepara a cuscuzeira
deixa uma outra água separada
porque o tempo vai fazer a gente
esperar
que essa outra água se transforme
mude de corpo
e encontre o cuscuz
para aquecê-lo
porque o amor deveria ser
o cuscuz na cuscuzeira
porque a gente sabe que não pode sufocar
o jeito que ele cai
nessa cuscuzeira
é determinante
não pode apertar desta vez
presta atenção
às vezes ele fica seco
às vezes ele fica molhado
às vezes ele vai embora
pelo ralo
porque
veja só
é muito complexo
encontrar alguém que acerte
pode ser a senhora da barraquinha de café
pode ser uma estrangeira
pode ser a sua vizinha
mas é muito difícil.
Teresa Coelho é recifense criada em Bonito (PE). Acredita no vulto dos desconhecidos, gosta de beber cerveja sozinha e lê poemas para as paredes. É graduada em Letras – Português/ Licenciatura pela UFPE. Publicou poemas na mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea (RJ), no livro A TORRE: antologia de poesia confessional, cartas e diários íntimos (Castanha Mecânica, 2017), nas revistas Malembe (PB) Garupa e nos zines NAUvoadora (PE) Lambadaria (PE).