Janela Poética I

Natália Agra

 

Desenho: Raquel Piantino

 

ESTRELA-DO-MAR

Para Lis

 

que espetáculo é a palavra crepúsculo!
labirinto-oceano
estrela cadente que valsa céu abaixo
segredos de água-viva
do navio projeto-me em concha, um par de mãos dadas
vieira-vênus:
……………………(explosão da aurora)
que palavra é estrela senão chuva?

 

 

 

***

 

 

 

LOVE SONG

 

quando você me aperta o coração
cortando da gaivota
o silêncio
da solidão, o frio
aprendo aos poucos os acordes de “La Vie en Rose”
te dou metade da palavra amor
e espero do caminho,
……….a outra metade

 

 

 

***

 

 

 

TROCO EM BALAS

Para Angélica Freitas

 

hoje troco quase tudo por açaí
e tranco a chave
hoje troco a vereda pela exaustão do caminho mais longo
troco a corneta pela flauta doce
hoje troco farpas por gentilezas
e deixo anotado na porta da geladeira
hoje troco quase tudo por bala
troco a dieta por milk shake
troco o reiki por haicais

hoje troco passeios em Vênus por meias voltas pela casa
deixo o vento ser uivo em meus cabelos-redemoinho
hoje troco quase tudo por nada
troco nada por açaí e balas
hoje troco arqueiros por flamingos
e ensino o alvo
troco a Via Láctea por farinha láctea
hoje troco quase tudo
e passo o troco em balas

 

 

 

***

 

 

 

TOTALIDADE

 

I

abrir a porta quieta
ouvir o choro violáceo da viúva
o coro do breu
aqui comigo
uma aliança
a infância revestida inflama
cintila o inconcebível fim
posto que o vento perturba
mexiam também as pétalas
separando-se do botão
diminuída em si a ternura
abro a boca que desde a aurora silencia

trago-o de volta
percebo num instante a demora
em um sonho revela-se
a carta da morte
a totalidade do corpo

 

II

a floresta de noite em
compasso
de longe a chuva
quebra gravetos
fora de mim, há
pessoas chorando de medo
a hipnose é um veneno
miosótis
há pessoas morrendo lá fora
muitas

 

III

o sol quebra por trás dos prédios
desmaiando em cinza inglória
a morte silenciosa

 

IV

onde estaremos amanhã?

 

V

deitados
na grama
olhando
a chuva
se aproximar
de repente

 

 

 

***

 

 

 

POEMA DO INFINITO

Para Fabiano

 

tâmaras maduras em teus quadris
corpo em flor de anis
escapa vivo num torso místico:
todo o profano
Aruanda é aqui
nesta cama

o tempo, naquele instante
um tear
vislumbrando no outro a própria estranheza
(carne e cios duros)
castelã com unhas de gatos
costas arranhadas
hímen e rins como animais em asas

falena volteia erguido libertino
não coma a borboleta
(veneno e lua lambem a mesma boca)
sinédoque doce Shiva
num toque de chuva
abraça vísceras sem palavras

por último, lâmina-lança
bruta serpente calada
(Aruanda, nossa eternidade)
éter, clarim
todos os sentidos
chama
e chuva

 

Natália Agra nasceu em Maceió, Alagoas, em 1987. É poeta e jornalista. Acaba de publicar seu livro de estreia: “De repente a chuva” (Corsário-Satã,2017).

 

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