Janela Poética III

Cibely Zenari

 

Foto: Kelly Cristina dos Santos

 

frútero

 

12 contrações
compassadas
despressurização
caem as máscaras
primeiro as mulheres
depois as orgias
celestes

 

 

 

***

 

 

 

astro

 

navego na tez dessa pele
astrolábio
avesso à razão da direção

fundo com o oceano
mares profundos

sem fronteiras entre
donos
terreiros
terras
tornozelos
e saveiros

perdidas docas
lábios e bocas

remam incansáveis
ilhas inalcançáveis
flutuam
latitude zero

trapiches largados
birutas
balangamos ao vento

ao fundo escafandro
Ó2 acabando

jamais achados
escombros náufragos
pegadas na água
em únicos rastros
úmidos
de lábios cúmplices

trovões silenciam
há salvos?

 

 

 

***

 

 

 

botânica

 

o rizoma de nossas raízes
gira rodas cinéticas
em forças centrípetas
e ao centro estripulias
de dois quadrúpedes
de sensibilidades termostáticas
incendeiam variáveis distônicas.

o resultado atômico
pulsa sangue aos ventrículos
banhando estruturas
músculo-esqueléticas
em névoas harmônicas
onde vejo nebulosas
emanarem formatos
amorosos-biônicos
geneticamente interessados.

 

 

 

***

 

 

 

woman

 

minhas sardas e rugas
minhas saias sem nesga
minha brancura com olheiras
você vem e me toma pelo que pareço

meus tons vivos
meus sons graves
meus dons inexplicáveis
você me retoma quando anoiteço

meu doce café
meu bom tempero
meu extraordinário pé
você me adora quando te teço

estou tua,
sempre que pela manhã caminho nua
na nossa imaginada e exclusiva rua.

 

 

 

***

 

 

 

corra lola

 

ela vestida
em vestido ela era
em corrida ela vestia
esvoava e ela corria de vestido e voava
voada de chão
cabelo, cabelo santo, era cabelo
era vestido vestida e cabelo pendia
um desespero lhe corria
nas veias gotas vazias corriam
suor e lágrimas, rápidas
corria de si, de se machucar
corria e perdia
lhe saiam cabelos
lhe ficavam nuas
saias saiam, pelos corriam
despencavam pernas e braços
peitos des-pe-da-ça-vam
flutuava aos pedaços
torpes pegadas lhe seguiam
o que sobrava dela
era ela, fumaça chamuscada
em reflexo na fachada
e ainda ela
ela no dia do hoje
ainda pingava
talvez veneno doce
talvez carne passada
era um vestido rendado
esburacado de frio
no meio fio corria, desequilibrava
ela morrida de corrida cansada

 

 

 

***

 

 

 

cozinha*

 

uma certa mania de fazerem das cozinhas, brancas
é preciso colocar cor, os cheiros têm cor
as casas de aluguel azulejam branco até o teto
dá uma mania de escrever e pendurar coisas
na casa antiga a torneira é uma avó que se lembra em alguém
as cozinhas são os quartos adolescentes dos adultos
algumas panelas dependuradas para exibir
aqui é uma cozinha
um pano cai aleatoriamente sobre o botijão para dizer
aqui é quente, sai fogo
as formigas em seus caminhos naturais
nunca os interrompo
aqui a natureza se desenha em fome
quando transamos na pia
fiquei com vontade de dizer que te amava
mas não sabia se era a mesma coisa que amar
o desejo de falar que ama
e depois veio
o amor
veio o desfile de moda íntima pela cozinha
e copo d’água pelado da madrugada
depois veio o desamor
ele não comia mais na cozinha
mas me comia
ainda há fome no desamor
a cadeira amarela agora um trono vazio
apressa-se um bolo no forno
enche a casa de chocolate
aquece por um curto tempo o oco branco e quadrado
dessa mania de azulejo frio
sentar à mesa
afundar estofado de cadeira
tantas e tantas vezes na rotina
até que o rejunte encarda mas continue re-juntando
o que nasce separado
vira carne de pele quente
cozinha é uma fábrica
depois se repousa na cama
e depois some com a fome
a cozinha é tão enorme
hoje trago a cama e moro nela
deito com as panela

 

*poema parafraseado de algum da poeta Carla Diacov sobre banheiro

 

Cibely Zenari é poeta, psicóloga e psicodramatista. Sua produção poética já transbordou os formatos tradicionais, como objeto poético e produção de cartazes escritos com sangue menstrual. O universo feminino é produto e produtor de sua pesquisa na escrita em seu universo anatômico e simbólico. Auto-publica zines de poesia chamados Tril’orgia – escreve, diagrama, costura e vende.

 

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