Luiz Frazon
ARCHYTAS OF TARENTUM
O que sabemos
de nós mesmos
é um pouco mais
do que uma chave de fenda sabe
sobre um parafuso:
é um jeito abissal
de enroscar o mundo
e prendê-lo, firme.
Um íntimo conhecer, profundo,
do seu nome ferroso,
a matéria que se abraça.
É lançar-se adentro
e entretecer o aço
sob pressão
da mão alheia.
***
COSTURA
“Quanto mais eu, que nu nasci, me encontro nu:
nem perco e nem ganho.”
Cervantes
Guardo com zelo,
numa das gavetas de minhas vísceras,
a primeira roupa que vesti.
Era eu, não muito mais
que um nome
e um mosto de minha mãe e de meu pai.
A roupa trançava seu algodão no meu torço,
tecia-me uma língua,
aquecia-me um gesto,
e enxugava todos os choros
do resto de minha vida.
***
ITINERÁRIO ESTILETE
Num vão de tempo,
esquecida
e prenha
de sabores salinais,
a lágrima
é a cicatriz solúvel,
iluminada,
pública,
engasgada
no caminho
de um ismo choro.
Agora,
outra percorre uma vereda
já de antes desbravada:
um rastejo cítrico
no encalço da benção.
Em dorso derme
no rodapé da folha-face
a cópula:
fusão de gotas
atemporais.
***
COMEDOURO
“Mourão, mourão
Tome teu dente podre
Dá cá meu são.”
parlenda de autor desconhecido
barganhamos com nossos nomes
a imagem
do que esperamos ser
no entanto, à conta-gotas,
somos traídos
o nome é a palavra que nos come
***
ESTATUTÁRIO
“Olha tua obra.
Olha a obra que é tua por ser feita à tua revelia.”
Rodrigo Petrônio
Seguramos o sol
com força, na unha.
Não lhe damos folga abonada,
nem licença ou férias;
não lhe permitimos atestar
doença ou praga
na pele do seu nome de luz.
Queremos o sol
analfabeto em Marx,
quase escravo.
E são poucos os que o imaginam
rebelado,
vigorando seu ardor
e retorcendo a madrugada.
Forjando no fogo
imagem lúdica da meia-noite.
***
POEMA PARA HEIDEGGER CORRIGIR
“Flerto com o mundo enquanto o calunio”
Victória Monteiro
Chove lá fora,
no entanto, uma janela, com laivos de vidro,
e estigmas de aço,
lacra meu corpo
para o mundo.
Desejo arremessar minha consciência
o mais longe que posso.
Na chuva, ela ensopa-se de rios selvagens nas ruas
e empossa águas de outro continente
em seu quintal.
Se depois procura abrigo
se saltita pelas poças, encharcada e com medo
se adentra à primeira embarcação, plausível
não me convém espionar.
Luiz Frazon é Educador Social na cidade de Ribeirão Preto, SP. Cursou letras, apesar de não concluir o curso e hoje faz bacharelado em Educação Física e Esporte pela USP. Coeditou o Zine “O circense” entre os anos de 2003 e 2007. Participou de algumas antologias poéticas, publicou seu primeiro livro de poemas, “Roçando água”, em 2009 e em outubro de 2017 seu segundo livro, O nome pela metade, pela Editora Patuá.