Gramofone

Por Pérola Mathias

 

ROBERTO MENDES – NA BASE DO CABULA

 

 

“O samba já existia antes do samba?”. A frase é um verso de uma das canções que Roberto Mendes reuniu em seu último disco, Na Base do Cabula, que é mais um passo da construção de uma obra que retoma as raízes do samba do recôncavo da Bahia em seus diversos formatos, como a chula ou a cabula – expresso já no título do disco.

O álbum, que chegou depois de um intervalo de 11 anos desde o último lançamento de Roberto Mendes, reúne diversas músicas que ele já havia gravado em discos anteriores e algumas novidades. A grande diferença aqui é que desta vez ouvimos apenas voz e violão, e todo o ritmo das tradições musicais pesquisadas por Mendes em sua composição vêm trabalhadas no seu instrumento despido de qualquer acompanhamento.

Da parceria de uma vida com Jorge Portugal, escutamos no disco novas versões para as faixas “O samba antes do samba”, “A beira e o mar” e “Baianos Luz”. A primeira, a qual o verso que cito no início deste texto pertence, reivindica o recôncavo baiano como berço do samba, onde supostamente o gênero teria nascido – discussão que é divertida quando se trata de poesia, mas um tanto caduca quando levamos pro lado acadêmico da pesquisa.

 

Roberto Mendes / Foto: divulgação

 

“A beira e o mar” pode ser considerada um clássico. Gravada por Maria Bethânia em 1984, a música também deu nome ao álbum da cantora. Também filha do recôncavo, do clã Viana Teles Veloso, Bethânia gravou diversas músicas de Roberto Mendes, como “Yayá Massemba”, “Olhar Estrangeiro”, dentre outras. É difícil escolher os versos mais bonitos ou marcantes dentre os cantados por Roberto Mendes, mas merece destaque a imagem trazida na poesia de “A beira e o mar”: Mesmo que desamanheça e o mundo possa parar / Nem nada mais me pareça, invento outro lugar / Faço subir à cabeça o meu poder de sonhar / Faço que a mão obedeça o que o coração mandar”. Na versão gravada por Bethânia, Roberto Mendes gravou os violões junto com Toninho Horta, que fez o arranjo. É interessante o exercício de ouvir a versão da cantora; a do próprio Mendes no disco Tradução, de 2000; a versão de Moreno Veloso no disco Solo in Tokyo, de 2011;  e a que é apresentada em Na Base do Cabula.

Por se tratar de uma homenagem, “Baianos Luz”, que vem por último no disco, talvez seja a de menos destaque. Mas não menos carregada de significados, já que a música relembra o legado dos baianos que mudaram a forma de pensar e fazer arte no Brasil – os tropicalistas -, fazendo com que depois deles déssemos um salto para o futuro, em diversos sentidos.

Na Base do Cabula foi produzido pelos dois filhos de Roberto, que também são músicos: Leo Mendes, o mais velho, e João Roberto Caribé Mendes Filho. “Deu foi dó”, inclusive, é uma parceria entre Roberto e João que acrescenta mais novidade ao disco.

 

Roberto Mendes / Foto: divulgação

 

Por fim, o sincretismo religioso do Recôncavo surge em forma de poesia musicada em faixas também anteriormente já gravadas como “Mãe Senhora”, faixa de abertura que pede a benção para começar. Além de “Bom começo, parceria com o poeta José Carlos Capinan, para se cantar em forma de oração a Oxalá e Senhor do Bonfim. Com Na Base do Cabula podemos mentalizar um fim de ano tranquilo e continuar com ele até pelo menos a segunda quinta-feira de janeiro, dia de subir a colina sagrada, sem enjoar.

 

 

Pérola Mathias, doutora em sociologia, pesquisa música contemporânea e é autora do blog Poro Aberto.

 

 

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