Gramofone

por Larissa Mendes

 

SILVA – CINCO

 

 

“A música é o meu chão. É onde eu encontro sentido para as coisas e para esse mundo tão controverso. Fazer música, em sua grande diversidade de sentidos e significados, é a minha razão de viver. Hoje, vivendo de música, nunca imaginei chegar tão longe. E já que tão longe cheguei, chego também ao meu quinto disco autoral, que muito intencionalmente se chama Cinco. Cinco sou eu, Silva, com 5 letras e Lúcio, também com cinco letras (…)”. Numerologia à parte, o fato é que Silva chegou e permaneceu. O menino capixaba e tímido de Claridão (2012) deixou a barba crescer em Vista Pro Mar (2014)  e  Júpiter (2015)  e deixou também de ser promessa para hoje figurar como um dos principais expoentes da nova música brasileira. Lançado em dezembro nas plataformas digitais, Cinco – décimo álbum de carreira, incluindo quatro discos ao vivo e Silva Canta Marisa (2016) – traça uma continuidade natural do seu antecessor de estúdio, Brasileiro (2018). Finalizado durante a quarentena, Silva, que já havia lançado Ao Vivo em Lisboa no primeiro semestre, celebra genuinamente, mais uma vez, o amor e suas facetas: chegadas e partidas, idas e vindas, do encantamento a depois do fim, com serenidade, esperança e um pouco de sarcasmo.

 

Silva / Foto: divulgação

 

O ska sessentista Passou Passou, primeiro single divulgado, tem clipe em plano-sequência com o músico equilibrando-se em uma tiny house em movimento, enquanto despede-se em tom de deboche de um amor que tem que ir embora de sua vida. O suingue de Sorriso de Agogô (tira essa poeira dos olhos/vem pra ver como nasceram os sonhos/o depois a gente faz é agora/não dá pra adiar) e No Seu Lençol (como se fosse um dia bom/você sorriu e é bem melhor/morar aqui no seu lençol) evidenciam a tropicalidade do álbum composto com o sempre parceiro Lucas Silva, em passagem dos irmãos por Caraíva (BA). Enquanto a densa Pausa para a Solidão (pausa para a despedida/já não sei como expressar/que não encontrei saída) exalta com maturidade o fim de um ciclo, Não Vai Ter Fim (o amor é parte de tudo/é parte do mundo/é parte de mim) parece saída do repertório de Roberto Carlos e se não houvesse pandemia, possivelmente o compositor dividiria os vocais com o Rei em seu especial de fim de ano. A canção de quarentena Jogo Estranho (trancado nessa casa/acendo meu cigarro/e pego um violão/olhando da janela/eu tomo um outro trago/dessa solidão) contrasta com a sensual Facinho (eu gosto e fico tranquilo juntinho/cama, sofá ou de pé, de ladinho/ai, isso é bom, muito bom, já parei de contar), espécie de ska em dueto com Anitta, repetindo a parceria de Fica Tudo Bem, gravado com a funkeira em Brasileiro.

A balada Você (é que quando acordei de manhã/eu tentei te esquecer/e esqueci que o querer é um mar turbulento/não tenho um alento, nem sei velejar) e a bossa Quimera (pra que sentir/coração feito de água/não vou mentir/a saudade me naufraga/quando acalmar/e eu nem sequer te lembrar/vou amar de novo) relacionam poeticamente a saudade aos movimentos do mar. Se a acústica Não Sei Rezar (ainda é cedo pra falar de amor/é melhor fingir não ser/não quero atropelar você, meu bem/e por tudo a perder), ironicamente, mais parece uma prece, tamanha simplicidade e beleza, Furada (eu sei qual o seu perfume/sei que é bom/mas não, não vou mais cair na cilada/você finge ter poderes que não tem/ai, ai, essa sua lábia é furada) diverte como a troca de mensagens com um “contatinho”. O disco conta também com a participação do icônico João Donato no jazz Quem Disse (tem coisas que a vida nos dá/tem coisas que são como um dom/é dom te querer e depois/vou te requerer) – que tem lindos arranjos de sopro e piano e do profeta do Grajaú, Criolo na “afro-baiana” Soprou (te vejo no céu/te sinto no ar/no vento uma brisa que vem me acalmar). Além de dividir os vocais com Silva, o rapper compôs a segunda parte da letra, com versos como “controverso diverso disperso/tua pele na minha é verbo/minha boca na tua é luar”. O delicioso samba Má Situação (eu nunca me importei/com as coisas que não sei/somente com você/que não conheço/já tenho um grande apreço) dá o tom final em ritmo de amor platônico: que atire o primeiro bilhete único quem nunca se apaixonou por um(a) desconhecido(a) próximo à plataforma de embarque.

Há que se destacar também o projeto Bloco do Silva (2019) turnê onde o cantor revisitou o melhor dos hits carnavalescos, sobretudo dos anos 90, passando por sucessos do axé, frevo, samba e MPB , o que lhe rendeu desenvoltura suficiente para transitar com tanta despretensão pela brasilidade de Cinco. O álbum marca ainda o rompimento do artista com o selo SLAP (Som Livre), o que talvez explique o ritmo frenético de lançamento de seus álbuns em apenas uma década de atividade. As 14 faixas do trabalho destrincham com ritmo, poesia e refrão(!) o sentimento mais puro e complexo que carregamos no peito. E os irmãos Lúcio e Lucas, como bons artesãos a serviço da música, traduzem de forma orgânica e atemporal tal engenhoca. Então, tire essa poeira das orelhas e ouça Silva (5 letras), agora (5)!

 

 

Larissa Mendes, 13 letras, tem na música o seu céu.

 

 

 

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