Anna Apolinário
Quaerens Quem Devoret
Panteras em transe
Dançam sob minha pele
Cerro meus olhos e sinto
A furiosa partitura nas artérias
E a sinfonia dos caninos acesos
Lacerando a carne
A febre cresce e decifro
A fábula canibalesca
***
A Carne Flamante das Metáforas
Irmã fronteiriça
Alia bestial delícia
Ao seu léxico luxurioso
Colhe especiarias na mata
Tece um amuleto de enigmas
Sangria de grafemas e signos
Rumorosa raptora
Transita e transborda
Salta entre as páginas
***
A Doçura Peçonhenta dos Feitiços
Meus seios sussurram preces em tuas mãos
Rosários lambem teu espírito enfurecido
Os meus feitiços roçam os céus de tua fome
Sílaba a sílaba, sacrílega
Tempero um apocalipse
Com a tempestade dos nossos nomes
***
As Mil Portas do Poema Ardem
Cinco voltas
Ferozes
À fechadura
***
Códex
Uma canção toma de assalto a minha boca
e estilhaça a paz que não queremos.
Dentro da casa que erguemos,
não há mordaça que baste:
o sonho cresce selvagem no sangue.
Um verso acende molotovs na língua,
verve virulenta inventa a rebelião.
Um gatilho para o tumulto,
entre corpos pacatos e obedientes,
um acorde eriça a revolução.
***
Teia
Francesca Woodman desliza
por dentro das fotografias.
Com olhos aranhiços,
a face sublime suicida.
Francesca dança
nua
levita e tece.
Penélope suspensa
espreita,
espera.
De súbito, o rapto
Francesca nos dilacera.
***
O balanço do fim do mundo
Um céu deliciosamente louco nos convida
ao beijo vertiginoso do abismo.
Ardilosos feiticeiros, driblamos a morte
e nos encontramos como dois pássaros infinitos
em cósmico voo.
***
Talismã
Nas mãos de um anjo
o mineral mistério
onde o desejo se enraíza
e diabólico, floresce
cruel e escura ferida
no coração de Deus.
Anna Apolinário (João Pessoa – PB, 1986). Bruxa, poeta, produtora cultural independente, organizadora do “Sarau Selváticas”, co-fundadora da “Cia Quimera” – Teatro & Poesia, colaboradora da Revista Acrobata – Literatura e Artes Visuais. Autora dos livros “Solfejo de Eros” (CBJE, 2010), “Mistrais” (Prêmio Literário Augusto dos Anjos – Funesc, 2014), “Zarabatana” (Patuá, 2016), “Magmáticas Medusas” (Cintra/ARC Edições, 2018), “Las Máscaras del Aire” (Poema Colectivo – Cintra/Arc Edições, 2020), “A Chave Selvagem do Sonho” ( Triluna, 2020), “Furor de Máscaras” – Poemas automáticos em coautoria (Cintra/ARC Edições, 2021).