Lisandra Crespi
Lave as mãos
se despeça do corpo
não se esqueça das extremidades
o cheiro da vida é voraz
inebria as narinas
tornando difícil sentir outro odor
gosto azedo queima a língua
talvez a vida venha para arder
impregnar nos sentidos
grudando na pele
mesmo que a esfregue na repulsa de tirá-la
não desgruda,
agarrou-se com medo que fugisse
fugir é perder
o ganho de todo entardecer
amanhã o recomeço
lave as mãos,
de novo.
***
A nascente se fez
crescente e derradeira
abriu espaço nas fendas
construiu caminhos
e destruiu meus ninhos
cuidei para que permanecessem
elas eram o começo
da vida em desalinho.
***
Morar em momentos
os segurar com força de vida
para condensá-los
Abraçar o instante perspicaz
nele se perde os passos, o abraço, a batida
Ruídos estalares despertam
o canto do tempo é esse
reverberando sua partida
Se agarrar a coisa qualquer
para quem sabe assim não se perder daqui.
***
Faz um tempo que não exponho
não escrevo
nem transbordo
é que me falta vírgula
muito ponto-
poucas reticências.
***
O sentimento é turvo
lança voo
ao pé do ouvido
Estremece o corpo
entorpece a mente
tomando conta
Só se faz sentir
quando caleja
vira semente
Tão temente
que esqueceu novamente
do presente.
***
No tic tac dos ponteiros
vejo todos passando
estão aqui e posso sentir
me avisando ao amanhecer
ainda há o que viver
a vagarosidade se perdeu no olhar
sempre atento ao que não é existente
como seria se não tentássemos espiar
a página do amanhã.
Lisandra Izabel Crespi, 25 anos, residente de Florianópolis-SC, é psicóloga clínica e dirigente de grupos de arteterapia. Escreve há 10 anos, no princípio seus poemas não passavam de brincadeira inocente, mas no decorrer dos anos a escrita se tornou uma forma de encontro com quem é e caminho para conexão com o mundo.