Por Larissa Mendes
YAGO OPROPRIO – OPROPRIO
Se a origem hebraica do nome Yago remete a vencedor, Oproprio dá a letra e sobrenome ao jovem artista colecionador de isqueiros e de belas canções. Criado entre a Zona Leste de São Paulo, a interiorana São José dos Campos e a Venezuela, Yago vem obtendo destaque na cena musical com seu estilo singular e inovador, onde mescla elementos do rap tradicional com influências de boom bap, MPB e de música latina (graças aos anos de sua adolescência vividos no país de Maduro em companhia da mãe). Suas letras abordam temas cotidianos e experiências pessoais, criando uma conexão imediata e genuína com quem sequer esbarra em sua sonoridade. Aos 30 anos recém-comemorados no palco, o rapper convive desde berço com a arte. Cristiano Carvalho, seu pai, é um dos fundadores do coletivo paulistano Dolores e um Yago ainda menino já frequentava os saraus do Jardim Triana.
Em maio passado, o músico lançou seu álbum de estreia, intitulado OPROPRIO (2024), pela gravadora Som Livre. Antes do lançamento da obra, ele já havia chamado atenção em sua participação no single Imprevisto (2022), do rapper Rô Rosa, e com as 5 faixas de seu EP O Inquilino (2023). Além disso, possui parcerias em inúmeras canções com promissores artistas nacionais do pop, funk e neo-soul, como Tupi, MC TH, Jean Tassy e Iuri Rio Branco. E se prepara para lançar um samba em breve.
Logo de cara, a capa d’OPROPRIO chama atenção por se tratar de uma pintura em cores primárias do artista plástico Rodrigo Branco. A boca borrada e os olhos atentos podem fazer alusão ao trap de influência latina La Noche (trago a visão pra quem não enxerga mais/a voz que busca a paz de todos que ficaram mudos), que abre o álbum e narra o drama de encarar o “trampo” após um “rolê insano” — pra não dizer que não falei das gírias. Inofensiva (mas toda noite eu rezo e peço minhas desculpas/tão cristã minha culpa/deixa eu só cumprir minha missão), espécie de continuação da faixa anterior, explora a complexidade da conduta humana e o eterno duelo entre certo e errado. Já a soturna Catedrais é descrente de Jesus ou Satanás, porém apoia todos que pregam a paz. E ainda traz um verso de “Cristiano Opai”(disse pra atentar minha chegada/e ver se a rua tá livre de ser autuada”), sua primeira referência artística.
O bloco seguinte ganhou o repeat da minha playlist e meu coração todinho. Se Fora do Tom (vou juntando meus pedaços pra saber quem sou/distribuindo meus retalhos por aí/vou descobrir como chegar a pé) é poesia pura de quem atravessa uma crise ou o caos completo, Melhor Que Ontem (nada do que foi vai voltar/e o ponteiro do relógio serve pra não esquecer/que na vida tudo passa, a dor, a paz, a graça/o tempo é professor e nos ensina a viver) é um sopro de esperança e transmutação – e talvez seja a mais bela faixa do álbum e de todo 2024. Enigma (mas se você me conquistar/abro os caminhos pra gente tentar entender/e os meus segredos você pode desvendar/que eu guardo num lugar que eu nunca sei falar/nem sei dizer) aborda aquelas conexões amorosas intensas, por vezes até confusas, mas extremamente raras; e por fim, Modus Operandi (eu não mereço todas dores desse mundo/se eu me confundo, num segundo eu perco tudo/(…) e quanto mais o tempo passa, eu me confundo/eu grito alto e o desespero deixa mudo/Mas se eu pudesse congelar o tempo, eu evitava tudo) questiona a dualidade de um amor meio tóxico.
Enquanto Papoulas (eu procurei, não achei respostas/decifrando o jeito que cê veio incomum/a tua postura tão proposta/cativou no peito e eu não quero mais jejum) encerra o bloco “love songs” através de sua visceralidade, a engajada Jejum (tamo pensando em um por um, que revolta cada um/linha do tempo pode nos comprometer/se te incomoda еsse jejum, temos dorеs em comum/basta nóis saber reconhecer) desencadeia o desejo de protestar contra o absurdo da vez e sobra até para o mascote da Lacoste. O álbum encerra com todo o astral de Linha Azul (e eu ficando bolado com tudo/de tudo que eu não teria que fazer/se a cada metrô que eu pegasse/eu não deixasse meu rango do mês), faixa composta em 2019 que soa quase como uma ciranda e tem a energia e a inocência de uma cantiga de roda.
Com produção musical de Patricio Sid (idealizador do projeto Nômade), as 10 faixas de OPROPRIO são marcadas por um flow melódico e rimas que refletem questões ordinárias da vida com ironia e “sagacidade”, como bem dito em La Noche. Se suas influências latinas incluem nomes como Calle 13, Orishas e Don Omar, a brasilidade tem o peso de Sabotage (Yago participou da faixa Maloca É Maré com Iuri Rio Branco no álbum comemorativo Sabotage 50), Racionais, Duda Marapé (MC assassinado em 2011 e citado em Amor Incendiário, de O Inquilino), Chico Buarque, Moreira da Silva, Pedro Luís e Criolo — que já foi abordado na rua por um Yago fã e não poupa elogios ao hoje colega. Somado a todo o talento poético, o artista tem carisma, uma voz inconfundível e um jeito de cantar articuladamente despretensioso, o que confere a ele um estilo muito “próprio” (com o perdão do trocadilho) no hip-hop nacional. Yago é mago das palavras e tudo que toca vira obra-prima.
(Larissa Mendes foi desapropriada de suas palavras e playlists e só tem ouvidos para o Mago Yago)