Aperitivo da Palavra II

A SOBREVIVÊNCIA DO EFÊMERO E A FALÊNCIA DO PASSADO

o contorno só interessa aos apressados

Por Jorge Elias Neto

 

Foto: Bruno Kepper

Afinal, é chegado o tempo em que o silêncio e a contemplação passaram a fazer parte do comportamento de um transgressor. É o que conclama a balburdia multimidiática de nossos dias.

Na verdade, nada mais efêmero que o conceito numérico dos dias, um ou dois dígitos não preenchem o vazio do homem pós-moderno.

E os “vencedores” propõem: Falemos do caos binário, já que se tornou “feio” falar do Sol e da Lua.

O choque. O homem e o tempo, com seus instantes vendidos em módulos. Uma overdose de estímulos de duração efêmera. Eis a droga que carece ser discutida, esta que alimenta o corpo fluido e seus receptores cerebrais carentes de imagens.

Mas deveríamos contestar a sutileza do instante e a beleza do efêmero? Faz-se necessário então conceitualizar o que costumamos chamar de instante e de efêmero.

O adjetivo efêmero é derivado do grego ephêmeros, -os, -on, que dura um dia. Em sua origem, a palavra efêmero nos diz da poesia das águas perenes dos riachos que só existem durante o degelo ou a estação das chuvas; da flor da noite que desabrocha e fenece ao longo da madrugada. Efêmero é a imensa amplidão da transitoriedade fugidia.

Daí, se dizemos: Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias, não é uma imposição, é muito mais, é uma exposição. Nos expomos ao deixar transparecer o desespero por resgatar o sentimento do homem pelo efêmero; dizer do que repica no peito, da percepção da urgência de que o homem reaprenda a aquaplanar o momento, ocupando com silêncio e reflexão o espaço que sucede à transitoriedade do instante.

É isso – buscar no instante o paradoxo da pausa.

Mas é outra a definição de instante que nos coloca à deriva. E os dicionários são precisos, diria premonitórios, quando nos apresentam o adjetivo instante (derivado do latim instans, – antis, – are) como aquele que insta, que insiste com obstinação, que vai logo, iminente, URGENTE – que diz uma necessidade premente. O sufixo – are diz da soberba humana, da vontade de poder, estar de pé, erguer-se (o deus bípede, que se aproxima – ameaçador). Quando utilizado como substantivo masculino, a palavra instante traduz-se no “menor espaço apreciável de tempo, momento, ocasião”.

E eis o homem colocado à deriva no mar da pós-modernidade, sujeito às intempéries dos instantes impostos e desejados. E esse ser fluido, partícula em suspensão nesse mar batido de uma sociedade de consumo, torna turvas as águas do Planeta.

Onde encontrar tempo para o espasmo diante de uma imagem fulgurante, não a imagem digitalizada, pixelada no écran da mídia de bolso, mas a imagem efêmera, construída pacientemente, pela evolução do deus Darwin?

Quando jovens, aprendemos com nossos ídolos a valorizar o momento,    o agora. Vivificar o instante se mostrou a melhor forma de ter uma vida saudável e feliz. E o homem “sábio” incorporou, em graus variáveis, essa máxima.

Acontece que o mercado e as grandes corporações sempre estiveram atentas a esse fato e se desdobraram, e continuam se desdobrando, para ampliar e diversificar as “ofertas de instantes”.

Mas o que acontece quando o instante se fluidifica demasiadamente, se torna cada vez mais instantâneo, insatisfatório? Quando o instante passa veloz; quando um piscar de olhos nos impõe uma limitação fisiológica para vivenciá-lo? Ocorre a desertificação da vida, pois uma frustração insustentável passa a dominar o indivíduo.

E é com essa noção insalubre do instante e esperançosa do efêmero que devemos observar o homem que se adentra no século XXI.

Decreto

(para ser lido tomando água de coco à beira-mar)

Atenção!
Está suspensa a transitoriedade das insignificâncias.
Não é permitida a inspirabilidade do óbvio.
É mandatório o afogamento das circunstâncias.
O statu quo deverá ser limpo com papel higiênico.
Será suprimido do vocabulário o beijo sem língua.
No cardápio das quartas-feiras
o prato principal será o ócio.
Cada bocejo deverá ser celebrado como profecia.
Ao homem, que não lhe faltem
ovos fritos com torresmo, chicletes e água fresca.
Que todos os reflexos sejam queimados
nas piras da reflexão.
Para cada ser humano, um momento lento de aurora.

(Jorge Elias Neto é médico, pesquisador e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. São de sua autoria os livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. – 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. – 2010), Os ossos da baleia e Breviário dos olhos (inéditos). Integrou as publicações Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espiritossantense de letras – 2010 e 2011) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010))

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2 Comentários

  1. É como se a sociedade pós-moderna fosse um paciente terminal, cujo coração precisasse constantemente ser reanimado por choques elétricos -a adrenalina do instante que nos infantiliza.

  2. Migramos da necessidade para o desejo e agora para o querer (simplemente). Um individualismo sem consistência, sem reflexão.
    É o que vc disse.
    Acho que o choque tem que ser cerebral pois o coração é um sofredor…

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