Dedos de Prosa I

 Mariel Reis

 

Ilustração: Vera Lluch

 

O Peixe


Ele tinha transtornos. Os transtornos impediam que se relacionasse com mulheres. As mulheres evitavam-no a todo custo.

O custo era alto. Alto porque contratávamos prostitutas. As prostitutas tinham que ser louras. Louras e peitudas. Louras, peitudas e altas. Altas, altas, depois de tanta bebida. Bêbadas, elas começavam a olhar para o meu amigo. Ele tinha transtornos. As prostitutas eram fadas.

Ele não notava o desprezo, o nojo, o desconforto. As prostitutas depois de rodadas de bebida esqueciam por um tempo o desprezo, o nojo e o desconforto. Permitiam-lhe tocar nos seus seios.

Ele tocava, agarrava e mordia as prostitutas. Prostitutas lindas, louras, altas. O atlas do mundo dele. Torto, na cadeira de rodas.

O dinheiro comprava toda aquela felicidade. As prostitutas passeavam em sua cadeira de rodas elétrica, dançavam com ele, colavam os ouvidos à sua boca para escutarem a sua voz fraca.

Tudo custava dinheiro, muito dinheiro.

Eu bebia uísque nacional. Uísque falsificado. Ele, lá, na pista de dança, com as prostitutas altas, louras e peitudas. O meu dinheiro escasseava. Toda vez ele me pedia as prostitutas louras, altas e peitudas. Agora queria prostitutas louras, altas, peitudas e de olhos azuis.

Chamei as mesmas da festa anterior. Comprei lentes de contato para todas. Todas tinham agora olhos azuis.

O médico dele deu-lhe mais três meses. Ele repetia O PAI , O FILHO E O ESPIRITO SANTO. Repetia. Repetia. Três meses. Ele se apaixonou pela prostituta alta, peituda, loura e de olhos azuis. Queria casar com ela. Casou bêbada. Era um casamento de mentirinha. Dormiu com ele a primeira noite. Cobrou alto. O meu dinheiro acabando. Fiz um pacote de uma semana.

Ele não queria mais as festas com tantas louras, peitudas, altas e de olhos azuis. Só queria ela. Eu bebia litros de uísque, trabalhava pelo computador, saía pouco de casa. Descansava na piscina. Ele ria. Os cabelos afagados por aquele sonho comprado caro.

Começou a me pedir coisas impossíveis. Viagens a lugares distantes, sagrados ou não. Ele me pediu para morrer em um submarino. Havia aquele parado no velho cais do centro que servia para a visita de estudantes. Ele não sabia quando morreria. Morrer fora de um submarino estava fora de cogitação.

A prostituta–esposa me pedia mais dinheiro, mais bebida. Eu me enojava de tudo aquilo: Por que ele não poderia levar uma vida normal? Por quê? Os médicos não se mostravam satisfeitos. Suspendi os remédios. Quer dizer, ele suspendeu.

Morávamos no velho submarino do cais da cidade. Todo vivente que o visitasse nos encontraria por lá.

As garrafas de uísque vazias boiavam ao redor do casco do submarino, repletas de cartas.

Um dia, acordei tarde, de ressaca. Ele estava vendo o nascer do sol. Levantou-se com esforço da cadeira, a prostituta-esposa molhava os pés delicadamente n’água. Escorregou até o mar. Nadou de costas uns duzentos metros.

Afundou.

Reapareceu, mais à frente.

Ele queria ser um peixe. Despedi a prostituta. Consultei o saldo de minha conta bancária. Deveria comprar um barco. Vendi o que me restava. E me tornei um pescador.

Mariel Reis é escritor, publicará em 2014 o livro de narrativas  “Bordel de Bolso” pela Editora Oitava Rima. Escreveu os livros: “Linha de Recuo” (contos), “John Fante Trabalha no Esquimó” (contos), “Vida Cachorra” (contos), “Cosmorama” (poesia), “Cidade Tomada” (crônicas políticas), “A Arte de Afinar o Silêncio” (contos) e “A Fábrica” (narrativas – inédito).

 

 

 

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2 Comentários

  1. Mariel Reis nos impressiona com seu inegável domínio da língua portuguesa. O conto “o peixe” é a prova da habilidade do Escritor em capturar o leitor desde o primeiro ao último parágrafo.

  2. Gostei muitíssimo. Tenho até uma histótia de vida que se encaixa em seu ótimo texto. Abraços emocionados
    Maria Lindgren

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