Carina Castro
Cartográfica
de distâncias traçadas entre sonhos
passos e pousos
redimensiono o interior do meu interior
e a brevidade entre pensamento e pensamento
não acompanha o vagar do corpo
entregue ao manejo da maré
nem o vagar da garrafa ondulando sobre os dias
entre soluços de bêbado e pranto
encontraste a carta, mas não entendeste a letra
e não há legendas, coordenadas, vozes,
mapas para minha memória
dói fundo a longitude de meus garranchos
perdidos no efêmero de um idioma
ilegível entre latentes caligrafias, alfabetos
e não vês no céu
a constelação com meu nome
não podes ler minhas mãos
e latejando minhas letras dizem
teu futuro, te dão leme
leem tuas digitais
no leme, no copo, na garrafa
só não traduz a lancinante latitude
do teu entendimento
envias de volta um papel em branco
***
Esfinge
“es el espejo que devora espejos”
(Octavio Paz)
esfrego entre minhas mãos a memória,
e ela não se esfarela
avisto o abismo, mas ele não cabe em meus olhos
minúscula perante a esfinge, circundo-a
e me perscruta a sensação de que desmoronará
sobre mim a qualquer momento
erige-se um rosto em meu destino,
um rosto ancestral e desconhecido
tateio de cisma embotada
afunda-se um corpo estranho
em meu pensamento
entra-me pelos olhos signos minerais,
ciscos na alma
por que o vento não te leva?
que raízes invisíveis te prendem ao tempo?
move-se a paisagem frente seus olhos fixos
mas é sempre a mesma a paragem
de onde repousa, reina e observa
não sei o quê
uma boca alada se aproxima
minha boca está muito seca
me dissolvo em sua saliva
***
Miragem
podem-se alongar as retinas ao infinito
e ver a estrela que brilha no peito de deus que nem existe há tantos anos luz
ver a poeira cósmica se levantar sob os pés rachados na fenda de uma ilusão
arder nas têmporas o desejo que a vida seja leve e se satisfazer com o silêncio
não notar o peso da bagagem, ter as mãos livres, ter os sonhos pássaros
ter os pés náufragos num mar de bálsamo, afogar as mágoas num mar de rosas, beber a [sede
cair como pluma, ancorar o corpo às nuvens, e no impacto com a terra abarcar o universo
ir além
ver poesia
***
Caravana
homens e mulheres
passaram pelo buraco da agulha
e a caravana percorreu os tempos
os solos
as línguas
os olhos
no infrutífero de sombras, quedamos plantados
esperando a queda dos frutos
o repouso dos corpos
esquecemos os pés
pelo túnel da garganta
perpassavam vozes velhas
memórias amornadas
arrefece-nos as pálpebras
os retalhos estão impecavelmente membrados
e as mãos já esperam por afagos e fuga do trabalho
mas de longe se vê que não se trata de apenas
um tecido
[o sol levou o calor consigo, e a noite
nos impõe cobertos]
e que importa se somos indistintos?
na beleza nos atemos
Carina Castro (SP, 1988) é poeta e pesquisadora na área de Literatura Comparada. Escreve também Literatura Infantojuvenil, com um conto que recebeu o Prémio Lusofonia de Portugal (2012). Estudante de Língua e Literatura Árabe na USP. Assina a coluna Infante Ingente na Revista Ellenismos. Reminiscências do mar a embalam a estar perto da poesia, do canto, do sopro, orientar-se pelo que diz o desconhecido. Estes poemas integram Caravana (Editora Patuá, 2013), seu livro de estreia. Coleciona e escreve algumas coisas em Tudo é Coisa .
tUDO MUITO BOM, cARINA cASTRO.
aBRAÇOS
mARIA lINDGREN