Tadeu Renato
Alêntodo
o poema não
esconde
………..nem responde
se depois da vida
põem-se as dúvidas
não clama no claro da noite
o aro ralo da lua
……..relendo as ruas da cidade
cala os verbos diante
das cortantes realidades da
………………fala
o poema entre
tanto
atormenta de espanto
……….todo momento de trevas
e faz de sua glória
um atrevimento
***
Salivaginádegas
um pássaro-poema passa
da minha
para
sua língua, com alívio
de saliva
voa entre dentes
seios dedos
bate asas na vagina
com instinto cor de vinho
resplandece a flor
que faz
num instante
este seu cultor
esquecer o fim de tudo
***
Das obras
No canteiro de obras,
as flores que brotam são flores de pedras.
Nem tanto, nem flores:
espelhos e torres que riscam e impedem
e perdem-se as linhas
e as vilas e as ilhas que são as pessoas.
Levanta a montanha
na manhã das pontes
– no horizonte, o sol vem à tona.
Migalhas de sim e de não,
minha mãe, seus irmãos,
desconhecida gente
descendo à cidade:
de todas as partes
vem trabalhadores
e pombas e graças
e atores de praça e a fome tropeça
pé de maravilha
A força do espanto
(mareja suor
da máquina-mundo)
pergunta e segreda:
será um bom dia?
***
Corte Certo
senhor impostor: sei que tem
andado por aí
dormido com minha mulher
usando o nome que tive
tomando benção de vó
corrido com os cães:
canalha
aproveite a morada
no corpo que não te presente
não demora nada
outro ocupa seu lugar
despedaça seus membros
sem tempo de se despir
aluga os amigos
imposta a voz navegante:
navalha
***
Legenda
ainda é insuficiente
dizer
palavras nos colecionam
sustentam toda estrutura
no caos das horas
revela pouco mais que nada
o trabalho transformando
pedra em casa
casa em lar
lar em vida
vida em morte
o tempo que passamos ocupando
mais cala
quanto mais
………fala
quase o quê
é essência ou criação
no que somos?
…desde os primatas
até a hora passada
carregada de lendas e teses
nada serve de legenda
para esta tarde em que fervem
esta chama sem nome
estes sons pela casa
nossos corpos na cama
sob a luz deste sábado
Tadeu Renato (1981) é formado em Filosofia. Professor, compositor e contista. Tem palavras escritas, cantadas e faladas por aí. Dramaturgo do Coletivo Quizumba, entre outros grupos. Seu primeiro livro, Alêntodo (letras para melodias corporais), será publicado em 2014.