Patrícia Porto
Animatopia
Porque era um corpo de imagens,
uma ciência fugaz, como a vida,
carregava sonhos e sopros que não cabiam fora de si.
Do si mesmo inventou a solidão,
Do si mesmo deu para falar
e entender uma nova linguagem,
a dos corpos não-domesticáveis
no corpo nu da poesia, uma cicatriz propositada.
Um corpo que se dobra à curvatura do espaço e tempo
que deu para saltar com os pés
as dobras do tempo, um labirinto.
Deu para ser o tempo dobrado sobre seu corpo.
Na solidão fabricada de novas memórias, seu desafio:
conhecer a anatomia desse novo animal
curvando-se ao espaço.
Amar esse animal
e deixar-se avistar por Ele.
***
Nessas horas pequenas
espiava por dentro
à minúcia
na imagem da imagem
na imagem: a mise
flores de árvores pequenas
flores adultas delicadas
istmo de partitura
sombras da melhor cama de deitar um nu
Com sua lente macroscópica de verdades
ampliava ao máximo as dúvidas sobre se eu era mesmo
a flor a rocha o poeta o vaso
e sempre me angulava em lupa
a incerteza do olhar
É você aqui nesta dobrinha de hora?
Nessas horas pequenas sutilezas me fogem.
***
Devaneio
O verso úmido de devaneio
Nenhum salto sobre a língua
nenhum sobressalto
e os dias são de frieza
e o sentido cego
em suspenso
Eu de vaneio
traindo o verso,
amolando a rima
na pedra
***
Entrei!
Essa porta eu inventei
Eu abri com minhas próprias mãos,
às vezes com os punhos cerrados
Não me arrependo do caminho,
eu também estava perdida
Fui violenta. Fui mártir. Mas, sobre tudo, fui doida
A doida que inventa portas onde nada mesmo
foi construído pra ela
***
Grande desafio
Manter-se vivo
Manter-se com os olhos abertos
e ser ao mesmo tempo comunicável
Cada homem carrega a sua cela
Cada mulher, o seu útero
Cada cidade, o seu beco
E o Rato, cada rato carrega a liberdade
do incomunicável
Cada rato carrega o susto
do incomunicável
Patricia Porto é professora Universitária e Poeta, especialista em Alfabetização e com Doutorado pela Universidade Federal Fluminense. Publicou o livro acadêmico indicado pela UFF ao prêmio Capes: “Narrativas Memorialísticas: Por uma Arte Docente na Escolarização da Literatura”, o livro coletivo “Professora-pesquisadora: uma Práxis em Construção”, os livros de poesia “Sobre Pétalas e Preces” e “Diário de Viagem para Espantalhos e Andarilhos”.