Nas tessituras do etéreo
Por Fabrício Brandão
Por entre as arestas dos dias, há este senhor que apazigua e exalta ânimos. Como num carrossel de cores vivas, são muitas as faces possíveis do misterioso ser que rege as entrelinhas do mundo. Os homens, por vezes, tentam arregimentar ciclos e detê-los nalgum canto da memória esparsa. Há que se reconhecer que a humanidade ainda desconhece tudo que o correr das horas inaugura. Com toda a sua imperiosa fidalguia, é o tempo o senhor daquilo que nos escapa entre os dedos.
O mundo, tal como o vemos, bem que poderia ser subserviente aos nossos caprichos e instintos mais primitivos. Mas não o é. Revela-se mesmo um aglomerado de dissonâncias tão típicas de um organismo que não mais sabe distinguir quais corpos estranhos invadiram-lhe as entranhas. E é bem assim que, mirando paisagens inventadas pelos sentidos, flertamos sobretudo com fantasias, delírios e algumas desejadas doses de amenidades.
Diante das observações postas acima, é possível perceber que encontramos artistas cujo trabalho revela um acentuado gosto por uma zona de intersecção entre o real e outras searas intangíveis aos olhos. Muito dessa sensação está presente na obra do fotógrafo argentino Tomás Casares. Nela, pulsa forte muito mais do que um desejo de apresentar os homens e seus lugares, mas principalmente a ideia de que a arte é capaz de servir como um instrumento de transcendência, através da qual o visível é tido como uma extensão do espírito humano.
É interessante notar como o efeito pretendido pelo criador torna seu trabalho dotado de uma singularidade tamanha. É dessa forma que Tomás nos apresenta o mundo através de suas imagens, fazendo-nos suspeitar que o cotidiano abriga uma viva poesia em seus interstícios. E tal conclusão não é tão simples de elaborar. Há que percebermos que, acima de tudo, estamos a contemplar uma densa e intricada poética dos mistérios, como se a nós fosse dada sempre a perspectiva de questionar convicções.
Pelos registros de Tomás Casares, a matéria das coisas e pessoas não é um mero objeto a ocupar lugar no espaço e no tempo. Dela, emanam sentimentos difusos, capazes de vislumbrar uma noção pretendida de unidade. A partir daí, o que o fotógrafo chama de expressão da verdade resulta da harmonização entre o visível e o invisível, todo um ambiente de sensações fortemente marcado por um caráter místico.
Há, por parte de Tomás, um interesse em conceber o homem como um agente ativo de um entendimento deveras sublime: a viagem ao seu interior. Segundo o artista, isso será possível quando tomarmos consciência de nosso processo de liberdade, algo fundamentalmente precedido por uma libertação espiritual. Agindo dessa forma, compreenderíamos melhor a relação entre as coisas, sobretudo as que estão situadas no hiato entre o visível e o invisível.
Quando a arte nos sugere seguir mistérios, suas epifanias não valerão a pena se tentarmos olhar tudo como um incansável fluxo de apreensões exclusivamente racionais. Há que captarmos a distinção crucial entre conhecer e compreender. Há que nos deixemos levar por um delicado e sensível caminho no qual a afirmação das certezas é o que menos importa.
* As fotografias de Tomás Casares são parte integrante da galeria e dos textos da 96ª Leva