Adriano Scandolara
Hesitação
O ralo do chuveiro entupiu
farto de engolir restos de nós
o que como tumor
sem ver se consumiu,
e menos que os restos o todo restou.
Uma teia no canto
formada reformada por uma aranha,
órgãos tecem e anseiam, enquanto
longe o macho ainda
inútil respira,
enquanto bêbada
………………….entre os
prédios uma
…………equilibrista
na corda bamba hesita.
***
Ode ao edifício Ricardo
para Roger Alberto Meluso, in memoriam
Eu, sozinho, no prédio todo
não ouvi os estertores:
ia ao banco, quando
………………………quase
tropeço no
cadáver.
Correndo desesperado o pobre diabo desceu os degraus
delirante perdendo
a calça a perna falsa toda
dignidade
o caco que restou na calçada deitou, a Deus
clamou que não morresse
e como chama em cachimbo de crack nos becos da noite
apagou.
E eu
quase tropeço no cadáver.
***
Camus nos infernos
Há muito que as mãos
são mordidas pelas bocas que alimentam.
Entre as sombras não há nome
nem rosto:
se cansadas, revezam-se
como tratadoras de Cérbero.
E fumam nos intervalos,
apagando bitucas nos asfódelos,
foi para o treino desses momentos
que afinal viveram.
Feridos, os dedos levam
o cigarro aos lábios
num fumacento suspiro,
sonho invejoso, ser Sísifo.
***
Ode à serpente
Baixo demais para a virtude,
………………………..rastejar
sobre vidro, palavras
de ordem
…………de ódio,
…………………rastejar
tragando borras do amor
como rato
……….serpente
que devora o rato,
rastejar
……….sem pranto
que uma a uma essas gotas salgadas fracassaram
em redimir as gotas amargas
o gosto
………de ferro na boca,
rastejar
…………..a espinha sustentando a verdade
quebrando no meio
o pescoço
………quebrando no meio
o rosto preso virado pra baixo
………………………………….rastejar
seria talvez canção
este resto de voz
………………….alhures,
sem suas plumas de corvo
………………………..estes versos
pobres e feios.
***
Um dia qualquer
A tormenta sobre o
centro cemitério
de guarda-chuvas
retorcidos nas sarjetas e lixeiras
e as poças
sempre mais que o previsto
profundas.
Uma sombrinha intacta
descartada
a desistência
essa coisa tão humana
inunda os bueiros.
Adriano Scandolara é poeta e tradutor, nascido em Curitiba em 1988. É graduado em Letras e mestre em Estudos Literários pela UFPR, onde atualmente desenvolve um doutorado sobre poesia e filosofia da linguagem. É um dos editores do blogue e Revista Escamandro. Seu livro de estreia, “Lira de Lixo”, foi publicado em 2013 (São Paulo: Editora Patuá). Seu segundo livro, PARSONA, de poesia conceitual, e sua tradução de Prometeu Desacorrentado, do romântico inglês Percy Bysshe Shelley (1792 – 1822), estão no prelo e deverão ser publicados este ano, respectivamente, pelas editoras Kotter e Autêntica.