F. S. Hill
Às vezes,
quando os cotovelos apontam em direcções
opostas,
impelidos pela força de um espreguiçar,
gostava que as minhas costelas se abrissem
e a carne se rasgasse
e eu, feito petroleiro,
a derramar-me pelo ar.
***
poema em forma simples como um quadrado
poema em forma simples como um triângulo
poema em forma simples como
a dor que trago no sapato
que é novo
não de hoje
tem semanas
mas andou pouco
andar é simples
quando não se tem um pé quadrado
ou um sapato em forma de triângulo.
***
todos os silêncios caminham para
o abismo sentimental e eu que sou
morte permaneço apenas
pesado pelas ideias que constroem
de mim
em mim
a carne torna-se pedra
o tempo perda
crescem-me vazios nos olhos
e sombra no estômago
e eu que sou morte
duas vezes
não distingo as coisas das outras coisas
e as coisas do que não são
fico
quieto
seguro
da infinitude
***
Os dedos pousados sobre o dorso da loucura.
Memória do elefantário plantada à janela.
Mil vezes matei a criança que me urticava.
Cresci velho.
Segui o lado de dentro do caminho.
Desenhei cavernas em redor
e esfreguei o sexo para manter o fogo.
Ficcionei-me.
Deus abandonou-me.
Eu agradecido, fiz-me maior.
***
Hoje sonhei com a tua boca.
Sonhei que ela era uma casa,
onde víviamos nus e mudos.
As paredes cobertas de palavras
escritas por nós, com as unhas.
Todas as palavras de que precisaríamos
até ao fim da tarde.
Era uma casa húmida
como todas as casas onde a vida acontece.
Havia uma simplicidade branca no sentir.
Tu beijavas-me as mãos pousadas
no teu olhar.
Eu desenhava silêncios na tua pele.
E estremecíamos a cada brisa irregular.
Não pares, não agora.
FS Hill (Portugal) – Com formação superior em Teatro, decidiu, em 2011, dedicar-se à escrita poética, para tal abriu um laboratório poético online, através da rede social Facebook, onde a escrita e respectiva publicação do seu trabalho, numa perspectiva de experimentação, permitiram um diálogo direto com o público. No início de 2014, viu o seu primeiro e único livro – “Livro das Coisas Breves” – ser publicado pela editora MEDULA, de Coimbra. Tem publicado nas revistas Flanzine e Nicotina Zine e participa, em 2015, de dois livros coletivos: 70 poemas para Adorno e Mitoblina. Em 2014, foi um dos autores do POEMANIFESTO da editora Flan de Tal.