Dois Argumentos para o espanto
Por Jorge Augusto
Na história e na crítica literária, tradicionais, há certa expressão comum que defende dois tipos básicos de produção literária, uma voltada para as preocupações formais, a qual é creditada à experimentação e à evolução das linguagens e formas artísticas. De outro lado, estaria a literatura engajada, de cunho exclusivamente discursivo e voltada quase sempre para discutir ou expor questões sociais contemporâneas de seu autor.
É desnecessário demorarmo-nos na fragilidade dessa dicotomia, são muitos os exemplos que embaralham e refutam essas afirmações, pois existe na cultura brasileira uma sofisticação estética de manifestações e linguagens tidas como marginais pela cultura canônica e hegemônica. Uma imensa genealogia pode ser listada nessa proposição, que poderia ser brevemente desenhada, partindo dos Racionais Mc´s e Gustavo Black Alien, no rap, Pedro Kilkerry, no Simbolismo, e Arnaldo Xavier na Literatura Negra, Glauber Rocha no cinema, só para citar alguns e poucos nomes de artistas que produzindo fora dos lócus hegemônicos empreenderam experimentos em suas respectivas linguagens.
Porém, sobretudo na literatura, a experimentação parece ser sempre creditada a movimentos que priorizam sempre a forma em detrimento da discussão social e política, fazendo funcionar a frágil dicotomia exposta acima, entre marginal e canônico, como sinônimos de engajamento e experimentação, respectivamente. Sem dúvida, um problema historiográfico que poderia ser resolvido facilmente com uma crítica que se propusesse a uma metacrítica.
É esse gesto crítico que o livro “A notícia plena ou Argumentos para o Espanto”, do poeta e rapper Robson Poeta Du Rap, possibilita ao leitor atento. A obra embaralha os gêneros letra de rap e poesia e, se podemos afirmar que a discussão sobre rap como poesia é antiga e “consolidada” em alguns meios acadêmicos e dispõe já de bibliografia significante, talvez o mesmo não possamos dizer sobre pensar a poesia como rap, ou seja, pensá-la e construí-la dentro de uma estrutura rítmica pautada nos tempos do rap, como podemos ver no poema “poesia nenhuma no verso”, que diz: o rap é ódio/a vontade de subir num pódium/nem que seja pra cuspir/a condição de não mais existir/poesia nenhuma no verso/ o rap é cuspe/ esse país que não sabe pra quê que serve a USP/ pra quê que serve a USP? – Me parece esse um dos gestos de rasura impressos no livro.
Além deste gesto, um outro, quiçá mais radical e ousado, aparece no livro, a saber: o esgarçamento do rap enquanto forma, a partir da proposição de letras de rap mais curtas e densas, construção denominada por alguns leitores e algumas vezes pelo próprio poeta, não sem ressalvas, como poema-rap-síntese. Nesse sentido o livro tem uma proposta estética específica e se insere numa genealogia de obras que propuseram experimentações formais, a partir de lugares não canônicos, no cenário da cultura brasileira.
O livro interessa a todo leitor que gosta de poesia, e ou se importa em discutir e ou acompanhar a produção literária baiana e nacional, como também aqueles que pesquisam a relação que pode ser desenhada entre rap e poesia. Robson Poeta Du Rap tem poemas publicados na Revista Caros Amigos, na edição “Ato II” coordenada por Ferrez, e no Jornal Bahia Notícias, além de participações em saraus como Dominicaos e Pós-lida. Seu livro de estreia foi lançado pela Organismo Editora.
Jorge Augusto é poeta e professor. Doutorando em Literatura e Crítica da Cultura, pela UFBA. Publicou textos e poemas em revistas e jornais, como SUL21, Germina Literatura, Cronópios, entre outras. Participou de Algumas antologias como a Enegrescência, publicada pela editora Ogum´s Toques. É editor na Organismo editora.