Aperitivo da Palavra II

Vaga queda da velha arquitetura romanesca

Por Márcia Barbieri

 

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O livro Vaga queda de Caio Russo se apresenta como uma fusão de gêneros. O próprio subtítulo: peça para piano de afogados op.27 sugere um objeto musical, o que de certa forma é o gênero que mais se adequa ao texto, já que a sonoridade e o ritmo são os pontos mais altos do livro. Como poderíamos classificá-lo? Um romance? Um poema? Uma epopeia? Uma prosa poética? Não cheguei a uma conclusão precisa e definitiva, me parece um romance que suga a estrutura, o imagético e a linguagem do poema, porém sem desprezar a essencialidade do prosaico. Por trás da melodia, existe uma grande narrativa, encontramos pequenos tratados sobre morte, vida, loucura, tempo e identidade.

O texto flui tanto no ritmo quanto na estrutura como um corpo líquido. Caio inventa durante o percurso uma originalíssima partitura e uma nova coreografia. De repente, percebemos uma leveza trágica na duplicidade dos loucos e na dureza dos manicômios: “o hospício de mim era um xadrez sem peças, tabuleiro ou parceiro a arquitetura de um labirinto sem paredes”.

O livro também discute a questão de gênero: José Laura ou Laura José? Em um mundo em que homens e mulheres estão constantemente em cabo de guerra, nada mais pertinente que essa con-fusão de identidades. Aqui, o que mais importa são a estranheza e o estrangeirismo que habita todo corpo consciente do absurdo da natureza humana independente do seu sexo: “a escuridão tamanha que não divisava paredes, eu era o único muro intangível entre Eu, e o quarto, e Eu…”.

Outro questionamento importante é sobre a arquitetura da escrita, sobre as picuinhas literárias, sobre as nomenclaturas que camuflam a verdade do texto: “pensei que podia escrever um livro/autobiográfico/autoficção que é moda pelo que sei/eu e Francis e podia matar alguém e colocar/mais um personagem escritor e parecia vaga…”.

Vaga queda: peça para piano de afogados op. 27 é um texto imprescindível para os homens que apreciam uma sinfonia do holocausto.

Márcia Barbieri é paulista, formada em Letras e mestre em Filosofia. Tem textos publicados em várias antologias e nas principais revistas literárias brasileiras. É uma das idealizadoras do Coletivo Púcaro e do canal Pílulas contemporâneas. Publicou os livros de contos “Anéis de Saturno” e “As mãos mirradas de Deus”, os romances “Mosaico de rancores” (no Brasil pela Terracota e na Alemanha pela Clandestino Publikationen), e “A Puta”. O romance “O enterro do lobo branco” será lançado esse ano pela editora Patuá.

 

 

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