Cantar porque o mistério existe. Assim pode ser também representada a sina de um criador. Quanto mais simples as suas vestes, alijadas do fogo da vaidade inútil, mais próxima e quiçá autêntica será a sua epifania. O sentido de verdade também pode ser tomado como uma expressão honesta daquilo que se sente, algo que, materializado sob a forma de um texto, imagem ou som, ganha autonomia para fundar mundos no mundo. O autor cria personas e as atira aos quatro ventos, sugerindo-nos que também façamos o mesmo a partir do que engendra a nossa imprevisível percepção das coisas. É gozosa a possibilidade de sermos outros, rompendo amarras sedimentadas pela rotina. É fora de série a ideia de que a arte nos propõe um exercício contínuo de libertação. Nesse movimento, consumir a obra de um determinado autor é, possivelmente, amalgamar-se a ele. Essa espécie de pangeia humana, outrora ligada por sentimentos entrelaçados, passa a alimentar uma multiplicidade de expressões que harmonizam tanto o individual quanto o coletivo. Assim, os caminhos da liberdade não significam imposição nem tampouco a pronta concordância com o todo sugerido, mas a mais pura perspectiva de nos edificarmos enquanto sujeitos conscientes e condutores de nossas míopes trajetórias. Tudo isso para dizer que o mistério existe e que por ele somos atraídos pelas razões das mais imponderáveis. Mesmo tendo inclinações prévias a algum tipo de abordagem ou vertente criativa, a sensação é outra quando somos tomados de surpresa por alguma obra. Do mesmo modo, viver à cata disso desavisadamente por ser um bom indicativo. Sinal de que nos desarmamos um pouco para permitir que um outro alguém seja escutado. Como parte dessa despojada atitude, deixamos o canto sensível de poetas como Luciana Marinho, Guilherme Gontijo, Marilia Kubota, Stefanni Marion e Nuno Rau ecoar suas singularidades. No trajeto entre o visível e o invisível, as fotografias do argentino Tomás Casares instauram uma sublime acepção para a existência. Para falar um pouco sobre sua lida com as vias literárias, o escritor Anderson Fonseca responde a uma pequena sabatina de ideias. No Gramofone de Larissa Mendes, toca o mais novo disco da cantora e compositora Tiê. A leitura atenta de Sérgio Tavares nos convida a um deleite sobre o mais novo romance de Marcia Barbieri. Há difusas perspectivas de olhar o mundo nos contos de Marina Ruivo, Vássia Silveira e Caio Russo. O texto de Mayrant Gallo exalta a importância do escritor Patrick Modiano, recentemente agraciado como o Prêmio Nobel de Literatura. O mais novo filme do diretor Jim Jamursch é o centro das anotações de Guilherme Preger. Cá estamos, caro leitor, a sugerir um caminho que consolida sua etapa de número 96. Seja bem-vindo!
Os Leveiros
Resistir quem há de? Uma concisa mas precisa apresentação basta. Agora é mergulhar nos diversos para fisgar a singularidade de cada um e descobrir as afinidades. Parabéns aos Leveiros.
Belo edital, este. Ao ler sua afirmaçao de que “os caminhos da liberdade não significam imposição nem tampouco a pronta concordância com o todo sugerido, mas a mais pura perspectiva de nos edificarmos enquanto sujeitos conscientes e condutores de nossas míopes trajetórias. Tudo isso para dizer que o mistério existe e que por ele somos atraídos pelas razões das mais imponderáveis.”, me lembrei do romance mais fortemente criativo destes dois ultimos anos, que talvez você gostasse de descobrir (a autora ganhou o premio Femina do ano passado): Léonora MIANO, La saison de l’ombre, roman, Grasset 2013