Ailton Lima
Bombear o Coração
A jovem analisou, com cuidado, cada item que precisava levar antes de sair de casa. Dobrou com precisão uma calça impermeável, duas camisas de cores neutras, três pares de meias; depois, escova e pasta de dentes, shampoo em um frasco de 100 ml, três pares de roupa íntima, o carregador do celular, dinheiro em espécie, remédios essenciais, uma capa de chuva dobrável, chinelos. Tudo foi organizado na mochila com paciência. Satisfeita com a ordem meticulosa, respirou fundo: agora, sim, estava preparada para a viagem.
O caminho à sua frente desenrolava-se vasto e imprevisível. Cada passo a conduzia para mais longe de casa, onde histórias a aguardavam. Encontrou pessoas de olhares profundos, cujas vidas entrelaçadas com a terra lhe contavam segredos guardados no tempo. As paisagens que surgiam pareciam sussurrar memórias de eras passadas. Rios de correntezas indomáveis mudavam seus cursos sem aviso, como se seguissem razões que só eles conheciam. Cada murmúrio do vento carregava um silêncio acolhedor, um tipo de conversa que não pedia resposta, mas merecia ser ouvida. Ela seguia com os olhos abertos e o coração atento, captando as sutilezas ao seu redor.
Na primeira parada, sentiu algo diferente. A mochila parecia estranhamente mais pesada, como se, a cada passo, acumulasse algo invisível e, ainda assim, palpável. Curiosa, decidiu pesá-la. E não é que estava mesmo mais cheia? Decidiu aliviar o peso: deixou para trás uma das camisas, um par de meias e parte do dinheiro, como se pudesse liberar um pouco do que a mochila havia absorvido. Com a carga aliviada, seguiu em frente, sentindo-se mais leve.
Uma tarde tempestuosa a surpreendeu pelo caminho, mas em vez de buscar abrigo, foi tomada por um impulso infantil e, entre gotas e poças, deixou-se dançar com a chuva. A sensação de liberdade a lavou de dentro para fora. Os transeuntes olhavam com curiosidade, alguns riam, outros meneavam a cabeça, mas ela apenas lhes retribuía o sorriso, grata pela troca silenciosa de um momento compartilhado. Ao fim do dia, no entanto, percebeu que a mochila parecia novamente mais pesada. Desta vez, deixou para trás a capa de chuva e o carregador de celular. Pensou que, se precisasse, pediria ajuda adiante; afinal, já estava aprendendo que, muitas vezes, bastava apenas confiar.
O amanhecer trouxe novos encantos. Os primeiros raios de sol filtravam-se pela névoa e beijavam a grama molhada, criando um cenário suave e etéreo. Ela decidiu tirar os sapatos e sentiu a textura úmida e macia da terra sob seus pés, como se a própria natureza quisesse sustentá-la. Ao lado de um rebanho de ovelhas, sentou-se e conversou longamente com o pastor, um homem de palavras simples e olhos serenos. Depois, numa pequena vila, jogou uma descontraída partida de sinuca com os moradores e brindou à vida, como se os recém-feitos amigos fossem velhos conhecidos. Quando a noite caiu, sabia que a mochila pesava mais uma vez, mas já havia aprendido a solução: deixou-a ali mesmo, ao lado da estrada, esvaziando-se de objetos para se preencher de memórias e encontros.
Finalmente, ao chegar ao destino, sentiu-se plena de um jeito novo, mais completa do que jamais imaginara possível. E, movida por uma curiosidade repentina, decidiu se pesar. A balança, no entanto, pareceu vacilar, quase incapaz de pesar a imensidão que ela trazia dentro de si. Foi então que compreendeu a lição do caminho. Assim como o coração bombeia o sangue, renovando-o a cada batida, as pessoas verdadeiramente felizes também se esvaziam e se enchem continuamente, num ciclo constante de dar e receber.
Não é o peso das coisas que carregamos, mas o espaço que deixamos livre para o amor e para as experiências que nos fazem plenos.
Ailton Lima, de 32 anos, nasceu em Caruaru, Pernambuco, e desde cedo trilha múltiplos caminhos como escritor de contos e thrillers, compositor e publicitário. Jovem, mudou-se para Barcelona, cidade que despertou sua imaginação e lhe abriu as portas para o universo literário, inspirando histórias intensas e personagens complexos. Uma batalha contra o câncer, que superou ainda na juventude, transformou profundamente sua visão de vida e o impulsionou a dar voz às narrativas que habitavam dentro de si. Hoje, suas obras refletem essa trajetória de superação e o desejo de explorar o desconhecido, criando personagens inesquecíveis e histórias que tocam fundo na mente humana.