Drops da Sétima Arte

Por Larissa Mendes

 

Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum (Inside Llewyn Davis). EUA. 2013.

 

 

 

Se não é nova e nunca fica velha, então é uma canção folk”.

Se o folk é o gênero que combina elementos de música folclórica e do rock’n’roll, ninguém melhor para documentá-lo do que Joel e Ethan Coen, a dupla que transforma banalidades em pequenos clássicos. Baseada na vida do nova-iorquino Dave Van Ronk (1936 – 2002) e na cena musical de Greenwich Village, nos anos 60, bairro de onde despontaram Bob Dylan (aliás, em sua biografia Chronicles, Dylan afirmou que Ronk era seu guru), Joan Baez, Joni Mitchell e Phil Ocs, Inside Llewyn DavisBalada de um Homem Comum, no entanto, está longe de ser uma cinebiografia do artista. A atmosfera melancólica e quase apocalíptica do filme ilustra a vida de mais um jovem adulto perdido entre seus próprios anseios e escolhas.

O homem comum em questão é Llewyn Davis (Oscar Isaac, em seu grande papel no cinema), um talentoso, porém desafortunado músico em busca de reconhecimento. Dormindo de sofá em sofá, cedidos por amigos, com pouco dinheiro no bolso e com um violão embaixo do braço – e durante boa parte do tempo, com um gato amarelo, em outro – Inside Llewyn Davis é o título de seu vinil solo, cuja dupla formada com o parceiro Mike, que cometeu suicídio, fez certo sucesso outrora.

Errante convicto, Llewyn vê frustradas suas aproximações com a família, as ex-namoradas e com o estrelato. Ele é incapaz, por exemplo, de perceber que a exclamação do pai não é resultado da empolgação com sua canção e sim porque o idoso fez as necessidades nas calças. Até mesmo o zelo com o gato do casal Gorfein não o impede de perdê-lo ou confundi-lo. Aliás, Ulysses, o gato, é uma boa metáfora para o sucesso: algo que Llewyn, inconscientemente, persegue, porém, sempre deixa escapar. A música parece mesmo ser sua única forma de ligação com o universo e conexão com as pessoas. De mais a mais, o personagem segue andando em círculos, incapaz de qualquer tentativa de redenção.

Llewyn Davis (Oscar Isaac) e o gato Ulysses / Foto: divulgação

O filme tece uma crítica velada ao próprio glamour de Hollywood e da ‘profissão: artista independente’. Se o personagem teme vender-se ao sistema e abdica inclusive dos royalties da canção radiofônica ‘Please, Mr. Kennedy’, composta por um popular Jim (Justin Timberlake), o mesmo acontece com a dupla de cineastas. Joel e Ethan Coen jamais se curvaram à indústria e imprimiram uma marca bastante autoral em sua filmografia (não por acaso, já estão em seu 16º longa-metragem). Render ou não uma bilheteria expressiva é mera consequência. O que, aliás, não aconteceu com Inside Llewyn Davis, principalmente após o sucesso do remake Bravura Indômita (2010).

Apesar do grande elenco coadjuvante, formado por John Goodman, Carey Mulligan, Ethan Phillips e outros, Inside Llewyn Davis é mesmo ‘a balada de um homem só’, em que nem o performático Timberlake é capaz de ofuscar a atuação e o carisma de Oscar Isaac: seu olhar distante é a personificação do fracasso e seus diálogos contêm o peculiar sarcasmo coeniano. Aliás, quando a ironia não está contida nas falas, ela é expressa nas próprias canções – todas executadas na íntegra. Escrito e dirigido por Joel e Ethan – que em vários momentos tentam driblar sua própria narrativa, indicando uma ação do personagem para, em seguida, desmenti-la –, vale lembrar que o filme foi indicado ao Oscar 2014 nas categorias de Melhor Fotografia (uma paleta de tons outonais e uma perspectiva às vezes claustrofóbica) e Melhor Mixagem de Som. Como um belo folk, Inside Llewyn DavisBalada de um Homem Comum, talvez seja o filme mais light do duo, mas nem por isso o menos profundo.

Larissa Mendes divide o mundo em dois tipos de pessoas: aqueles que gostam de gatos, de folk e dos Coen; e os que não sabem o que estão perdendo.

 

 

 

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1 comentário

  1. Perfeito. Mandou bem Larissa, gostei do texto. E engraçado, todos temos um pouco de Llewyn Davis.

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