Por Fabrício Brandão
RODRIGO BEZERRA – TEMPO ILUSÃO
Cultivar os arremates do tempo como se eles fossem fiéis companhias. Se cada instante encerra uma surpresa, o que seria de nós sem o sabor de certas revelações trazidas com o vento que circula entre nossos devaneios? Há um sentido avarandado na porção serena da vida. Isso traz calma, cor e luz para o sopro que alimenta nosso caminhar de mortais.
Como materializar um pouco toda esta sensação? Talvez abrindo as escutas para o disco de Rodrigo Bezerra. Apegando-nos de imediato ao nome de batismo do álbum, ficamos imaginando qual signo melhor acolhe o teor cronológico da existência. E não se está a falar aqui duma mera feição concreta das coisas, algo que busque elementos sequenciais de uma trajetória de vida qualquer. Pelo contrário, a ideia de Tempo Ilusão sugere uma perspectiva a mais imaterial possível, sobretudo pelo fato de o que presenciamos no fluxo cotidiano poder ser tão fugaz quanto uma lembrança perdida.
Deixando de lado as divagações, o ponto é que o ambiente sonoro criado por Rodrigo não deixa dúvidas quanto ao caráter sublime de suas canções. Para perceber isso, basta se deixar levar pela letra e música de Mais é menos, cujo jogo de oposições dos sentimentos acaba por flertar com o equilíbrio entre certas tensões que suportamos. Ao ouvirmos Circular, fica a impressão de que o dinamismo que conduz a existência torna tudo passível de renovação. Mesmo se insistirmos em revisitar começos, ainda assim somos impelidos a avançar rumo ao desconhecido e vislumbramos nisso algum sentido de libertação.
Na canção Esperar, reforçamos o ato impreciso de sempre aguardarmos que o intangível afague nossos ombros e retire a sobrecarga deles. Para quando o tempo com seus ardis nos oferte respostas, estaremos sempre a apostar que tudo se explica de algum modo. Se a jornada parece angustiante, o cenário pueril de A criança vem nos sussurrar que a liberdade é um recurso para quem não se deixa levar por questionamentos excessivos e inúteis.
Tempo Ilusão é um disco que enaltece a formação musical de Rodrigo Bezerra, principalmente no que se refere aos arranjos regados a violão e guitarra, instrumentos bem íntimos do artista. Além disso, a conjugação de outros aparatos como bateria, saxofone, trompete, flauta e flugenhorn traz uma pegada jazzística bastante interessante. Aliada à concepção do jazz, a brasilidade do álbum ganha corpo com elementos que derivam do samba.
Afora o time de músicos que emprestam vigor ao trabalho, reunindo nomes como Felipe Viegas, Renato Galvão, Bruno Patrício e Westonny Rodrigues, não há como ignorar também a bela participação vocal de Ana Reis na faixa Além de acordes, composição que enaltece o espírito do jazz presente ali.
Segundo trabalho solo de Rodrigo Bezerra, que foi o primeiro aluno formado pelo departamento de guitarra Elétrica da Escola de Música de Brasília, Tempo Ilusão apresenta uma proposta bem definida, que é a de harmonizar sentimentos que nos atingem indistintamente a todos rumo a um caminho sonoro marcado pela simplicidade. Sem pretensões e arroubos vazios, o artista deixa a impressão de que a estrada da música pode ser trilhada sem o tradicional peso da espetacularização das coisas. Na leveza das ações, um grande trabalho funda seu próprio território.