Por Fabrício Brandão
BOOGARINS – AS PLANTAS QUE CURAM
No dicionário, o termo lisérgico remonta a algo que tem a propriedade de alucinar ou explorar os recursos da imaginação. Da mesma forma, poderia ser aquilo que se torna passível de descortinar outros estágios da consciência. Com isso, cenários alternativos se configuram rompendo a barreira da materialidade e sugerindo ambientes nos quais o ato de transcender é uma das principais vias de percepção.
Em meio ao contexto do rock, a atitude lisérgica sempre esteve relacionada à capacidade de se percorrer outras terras através da música. A possibilidade de experimentar níveis diferenciados de entendimento das coisas marcou toda uma geração e até hoje vem deixando seu legado vivo. No caso da banda Boogarins, esse sentido de permanência fica bem evidente. Munidos por arranjos e letras que apontam para um caminho amplamente psicodélico, essa trupe de artistas goianos aposta vigorosamente na densidade de suas incursões sonoras.
É só colocar o disco para tocar que logo nos deparamos com um cartão de visitas bem representativo do espírito da banda. Trata-se de Lucifernandes, canção que evoca a transformação de uma visão pessoal de mundo para uma fase de clareamento das ideias. Por aí, já se pode supor o que está por vir na sequência das faixas. E o fluxo segue preciso até Erre, verdadeira viagem ao centro do eu, num movimento de revelações que atestam que a existência nem sempre nos direciona boas notícias.
Da combinação de verbos e arranjos, resulta um agregado de sentimentos que não se dispõem de forma desordenada. Pelo contrário, As plantas que curam pode ser visto como uma tentativa de dar algum sentido ao caos que assoma nossos dias. Esse movimento de sensações parte primeiramente das esferas íntimas do ser para depois se amalgamar ao mundo que nos desafia com seus vastos contrastes.
Algumas influências são bem perceptíveis no álbum. Sem dúvida alguma, paira no ar uma atmosfera que ressoa tanto a Beatles quanto a Mutantes. E isso fica apenas no terreno das inspirações mesmo, pois a Boogarins consolida sua própria personalidade, reprocessando os estímulos valiosos e transformando-os na sua genuína forma de ver o mundo e imaginar-se além dele. Como toda boa viagem pressupõe algum sentido de brevidade, não poderia ser diferente com o disco. Afinal, são apenas seis faixas que, após consumadas, nos deixam com a impressão de que as palavras não se diluem na exiguidade temporal da vida.
Mesmo com o meteórico repertório, o álbum é feliz pela sua fundamental capacidade de síntese. Com letras que trazem o colossal desafio de dar significado a percepções diversas, aos poucos vamos sentindo que o efeito do disco é contínuo, ou seja, mesmo que os sons encerrem seu trajeto, as canções têm um poder de permanecer na mente de quem as escuta e lá causarem desdobramentos.
Formada por Fernando Almeida Filho (voz e guitarra), Benke Ferraz (guitarra e voz), Raphael Vaz (baixo) e Hans Castro (bateria), a Boogarins também navega por mares filosóficos no teor inteiramente autoral de suas composições. Exemplo disso está na faixa Infinu, a qual denota uma vontade de também abraçar o universo das coisas com o ímpeto de desfrutar de tudo em doses terapêuticas, sem freios morais nem tampouco juízos pré-concebidos. O grupo investe pesado na incursão pelos sentidos, celebrando uma harmonização entre corpo e alma, e enaltecendo um exercício de transcendência.
Curiosamente, a banda é mais conhecida fora do que dentro do país e sua agenda de shows por lugares como os Estados Unidos e a Europa é algo intensa. No entanto, não cabe aqui lamentar por ainda haver um espaço discreto de atuação da Boogarins em seu próprio habitat, mas sim levar em consideração que isso, mais cedo ou mais tarde, deverá acontecer. Afinal de contas, quem tem algo tenaz a dizer afugenta sabiamente o esquecimento.