Por Larissa Mendes
WADO – 1977
“O norte sem norte: o não se repetir”. É sob esta bússola errante que o release do oitavo álbum de Oswaldo Schlikmann Filho – que atende pela alcunha de Wado – nos é apresentado. Celebrando 10 anos de carreira, o compositor catarinense radicado em Maceió desde criança, já transitou com desenvoltura pelo samba, rock e vertentes da MPB. Com uma discografia composta por títulos sugestivos, vide O Manifesto da Arte Periférica (2001), Cinema Auditivo (2002), A Farsa do Samba Nublado (2004), Terceiro Mundo Festivo (2008), Atlântico Negro (2009), Samba 808 (2011) e Vazio Tropical (2013), dessa vez o músico optou por batizar o álbum com seu ano de nascimento: 1977. Wado assina a produção das 10 faixas do disco, que conta mais uma vez com a participação de convidados/amigos de todos os cantos: Uruguai, Portugal, Argentina e Brasil, garantindo uma latinidade peculiar. Lançado sem alarde no início de março e disponível em streaming no YouTube, o álbum possui download gratuito no site do artista e o formato físico tem distribuição pela gravadora Deckdisc.
Lar, primeiro single de 1977, abre o álbum com o peso de guitarras, sintetizadores e um refrão vibrante que brada: “eu era seu lar/era em mim que você costumava morar!”. Cadafalso (pelo cadafalso/ando descalço/à beira do salto/de cada falso amor) – composição de Wado e Marcelo Frota que nomeia o disco de Momo, de 2013, – traz a participação de Lucas Silveira (Fresno), desta vez numa versão menos intimista que a original. A ensolarada Deita – que dá vontade mesmo é de levantar e sair cantarolando –, dueto com o músico português Samuel Úria, flerta com o pop e aborda algumas [in]utilidades da vida, num dos momentos mais aprazíveis do álbum. Na nostálgica Galo (é raso, mas não tem como alcançar/é profundo e sem abismo/quantos becos têm saída/o galo cantou tarde demais/eu desprezo pontos de vista/eu descarto ideais), Wado divide o microfone com a mexicana Graciela Maria – que lembra muito a voz de Julieta Venegas. Mais miscigenada ainda, Condensa, reveza nos vocais o alagoano João Paulo (Mopho), o português Martim e a argentina Belen Natali.
O segundo bloco da obra inicia com a [contraditoriamente] dócil Mundo Hostil (é nesse mundo hostil que eu moro/é nesse mundo hostil que estou/ah, eu já não moro/ah, eu já não estou), em nova parceria com o uruguaio Gonzalo Deniz, que já dividiu os vocais com Wado em Carne, de Vazio Tropical. A grandiloquente Menino Velho aborda “a metade inteira, o nada enquadrar e o nada pertencer” da geração de 1977 e afins. A bateria eletrônica e os sintetizadores de Sombras contrastam com a poética Palavra Escondida (qual a palavra escondida/embaixo da língua/em que suicida/deixou de saltar/qual dos dois é a medida/o amor ou a sorte/um beijo da morte/te perdi no altar), bela composição dividida com Zeca Baleiro. A versão de Um Lindo Dia de Sol (se você encontrar/alguém perfeito eu vou rezar/vou ficar, vou morrer) – canção da banda Mopho – encerra a obra com uma aura instrumental de Beirut e um sopro de saga.
Assim como uma bússola sem ponteiro, Wado parece transpor gêneros a sua poesia. Se Vazio Tropical era intimista e delicado, 1977 tem uma verve rock, porém é multifacetado como o próprio passar do tempo. Aliás, durante os 27 minutos de audição fica evidente que as raízes roqueiras tradicionais vão se dissipando e apontando para um universo musical atemporal. Mais uma vez o músico rompe fronteiras linguísticas e imprime um trabalho de qualidade indiscutível: sua Rosa dos Ventos está pronta para nos guiar entres pontos poéticos, sonoros e sensoriais.
Larissa Mendes é uma velha menina, conterrânea do mesmo mundo hostil de Wado.
Genial!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Lar é,na minha opinião, a música mais gostosa desse álbum. Tem peso e ao mesmo tempo é leve.