Gramofone

Por Wilfredo Lessa Jr.

 

THE CHEMICAL BROTHERS – NO GEOGRAPHY

 

 

A palavra “nostalgia” tem a sua origem no grego “NOSTOS”, “volta para casa”, acrescido ao vocábulo “ALGOS”, que por sua vez significa “dor”. Na Grécia Antiga, a palavra designava a dor que atingia aqueles que realizavam longas viagens.

Atualmente, entende-se por nostalgia “o estado de profunda tristeza causado pela falta de alguma coisa”. Essa definição encapsula minha relação com a música eletrônica produzida nos 90. The Chemical Brothers lançou Dig your own hole em 1997, eu tinha 23 com cabeça de 19 e o futuro era ditado pela Inglaterra, não mais no senso de um império econômico, mas na ponta da inovação musical. Jungle, Trance, Trip Hop e a cultura rave (Peace, love and unity, novas drogas, piercings na sobrancelha e noites sem fim) apontavam para um futuro hippie cínico, movido por fora do establishment que seria muito mais inclusivo, uma revolução sem violência, em que as individualidades eram respeitadas e os beats surpreendentes. Toda “dance music” fora desse escopo era “poperô” (uma brincadeira cruel com os versos de “Pump it up” do Technotronic), o velho, o chato e passado como a danceteria de anos antes. O Chemical tinha os melhores clipes, que aludiam às sensações de consumo de ecstasy, cheios de referências e com gente linda vestida para ditar um padrão estético que significava inconformismo e fofura (muito Adidas e temas infantis). A internet engatinhava no Brasil, mas o ICQ já era febre do povinho e o senso de globalismo batia em nossas portas. Tudo prometia.

Claro que tudo mudou, melhorou muito, piorou muito e 2019 tem cara de retrocesso para quem ama liberdade nessas plagas. Nesse roteiro, me senti intensamente interessado em descobrir se o novo álbum do The Chemical Brothers, No geography, seria capaz de achar minha rave de 97 ou propor uma nova.

 

O duo The Chemical Brothers / Foto: divulgação

 

O disco abre com “Eve of destruction”. A faixa tem vocais femininos modulados e robóticos e uma sensação retrô, mas não aquela de 1997, mas de 1992, a la Change on me de Cynthia. Poperô roots, ao menos a transição para a segunda faixa, “Bango”, é feita numa colagem que parece uma das famosas mega mix da rádio Manchete RJ (salve, Dj Lúcio!). O breakbeat de “Bango” é puro desperdício, mais uma colagem, e entramos em “No geography” com uma voz masculina coberta em phaser que avisa que se quisermos deixar tudo para trás, eles no levam. Com esse som tocando no carro de fuga, eu prefiro ir sozinho. Faixa autoindulgente e sem nenhuma surpresa, me vi na esteira da academia. Chega “Got to keep on”, que me lembra “Get Lucky”, do Daft Punk, pelo beat e vocais baseados em disco, mas sem nenhum brilho próprio. A rave vai cada vez mais ficando com cara de poperô de festa de debutante.

“Gravity Drops” acontece trazendo electro em beat sincopado que tem um clima de doce batendo e graves profundos. Ainda não dá para esquecer o início frau, mas já abre um pouco a mente. Peço que São Keith Flint nos traga melhores faixas daqui para frente. Sou prontamente atendido por “The Universe sent me” na voz de Aurora (cantora Norueguesa), e uma house com cordas é pontuada por uma mistura de colagens que traz melancolia e tensão num equilíbrio que só a música eletrônica é capaz. A faixa se expande e respira num crescendo doce. Aurora tem razão: “… I cave in”. Agora bateu. Dali andamos para “We’ve Got to try”, que soa como o Crystal Method (duo americano de música eletrônica, sempre considerado uma versão poperô do Chemical), ironia level hard.

“Free yourself” traz Beth Orthon e, apesar de não haver nada de muito novo acontecendo, é o tipo de faixa que o Chemical faz há 20 anos, sessão de power ioga com muito açaí. Dali pulamos para MAH (Mad as Hell), com outras das marcas dos caras, vocal black 70 remodelado para um beat frenético e uma transição para a house europeia, indo e voltando. Funcionaria em qualquer set para o DJ pegar mais uma água. O álbum fecha com “Catch me i’m falling”. Parece algo que David Guetta faria tentando ser o Chemical, com seus vocais cheios de emoções forçadas e de falsa sensibilidade, além do clichê nos beats. Bom, recomendo que você ponha Dig your own Hole de volta na playlist. Foi o que eu fiz.

 

 

Wilfredo Lessa Jr. é professor de inglês que nunca morou fora, músico que não toca instrumento e intelectual que não se formou. Diz ele. Membro inativo do P3 (projeto 3), Infected Minds e Irmandade Arcana. Também se finge de escritor para poder falar de livro com gente que é.

 

 

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3 Comentários

  1. Amochaco!!!

  2. gostei do texto, bem mais do que do disco, rs, tb achei la pra metade do disco que os caras se perderam no caminho da EBM, (e cheguei nessa metade com muito esforço rs) o disco é ruim pacas

  3. Vou ter que ouvir, damn

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