Gramofone

Por Larissa Mendes

 

JUVENIL SILVA – LONJURA

 


“E o médico perguntou: o que sentes? Sinto lonjuras, doutor. 
Sofro de distâncias”.
(Denison Mendes)

A frase perfeitamente aplicável a nossa realidade nestes últimos anos dá a tônica do que é transformar o sentimento de sozinhez em arte. E se “todo mundo é uma ilha” nesse período pandêmico, o criativo, multifacetado (e boa praça) artista pernambucano Juvenil Silva – que figura há praticamente duas décadas na cena underground – é um arquipélago inteiro. O “compositor, tocador e cantante” como define a bio do músico no Instagram, iniciou sua trajetória na banda Canivetes e hoje, além de sua carreira solo lançada com o álbum Desapego (2013) – sucesso de público e crítica – mantêm os projetos Dunas do Barato, Avoada e FREVO 70, ao lado de outros artistas. Juvenil tornou-se conhecido também – ainda que não se considere exatamente um produtor cultural – por comandar por 10 anos, em Recife, A Noite do Desbunde Elétrico, conhecido como “o festival anual de rock independente ou a noite mais doida do ano”.

Lonjura (2021), seu quarto trabalho solo, foi registrado à distância durante o início do isolamento social, praticamente sem ensaios e com músicos alastrados pelo país (e até mesmo no exterior, caso de Marcos Gonzatto da clássica banda curitibana Faichecleres, que participou de Londres). Transitando entre folk e pop psicodélico, o EP sucede os álbuns Super Qualquer no Meio de Lugar Nenhum (2014) e Suspenso (2018). As 6 faixas versam sobre a incerteza e distopia do futuro, mantendo o mesmo olhar crítico e sarcástico habituais na obra de Juvenil Silva, porém, desta vez, em uma atmosfera mais melódica e melancólica.

 

Juvenil Silva / Foto: Thaís Rodrigues

 

A balada, a la Jovem Guarda, Dias Impossíveis (olha, nesses dias impossíveis/onde o medo anda na moda/empatando a foda, risos, laços, nós/quero que você tome cuidado), parceria com o paraibano Seu Pereira, composta logo nos primeiros momentos de quarentena e lançada em março, elucida a aura pós-apocalíptica que tem pairado sobre nossos dias. A faixa ganhou ainda um simpático “videoclipe coletivo”, editado a partir de vídeos enviados por seus fãs. Alpinismo (e eu também já desci, já desci/e me esqueci como eram os sonhos/que mesmo com asas cortadas podia voar), outra parceria, dessa vez com Guilherme Cobelo, vocalista da banda brasiliense Joe Silhueta, é um folk animadinho que tece uma crítica à escalada social. Horários Bagunçados (ando com os horários bagunçados/tesão desregulado/cabeça sem lugar/gaveta que nem fecha/cinzeiro a transbordar/você me acalma) – talvez uma das mais belas canções do EP – aborda a nova dinâmica afetiva desses tempos obscuros.

A malemolente Regalia (na periferia não tem regalia/ você sabe, mas não sabe como é/um supermercado inteiro ele cabe na barriga/mas não cabe nem metade, da metade da metade, no meu bolso), primeiro single divulgado ainda em 2020, filosofa sobre o “idealismo burguês” e parece ter profetizado a alta dos preços. A balada Você Mulher (eu queria te dizer/coisa pra caramba/da minha cabeça/eu queria mesmo era saber/como você anda/tudo que fez hoje/e desde que nasceu) é uma sincera declaração de amor e saudade. Aliás, a canção recentemente ganhou um belíssimo videoclipe, ou melhor, “uma fotonovela audiovisual” escrita, dirigida e estrelada pela trans colombiana Ava Reyna Bárbara e composta por mais de 2 mil fotos. A dramática O Mal de Nós Mesmos (quem fica com cara pra cima não enxerga tão bem/quem cai com a cara no chão já percebe melhor) encerra o disco com um blues tropicalista num diálogo entre o bem e o mal que habita em cada um de nós.

Disponível em todas as plataformas digitais, Lonjura possui também uma “versão comercial” com três faixas bônus (para adquirir, basta entrar em contato através do Instagram do artista). Tal versão segue o projeto Discos Off-line, que já rendeu os EPs Isolamento Acústico Vol. 1 e Vol. 2, Não Amolem os Canivetes, Cinzas de Um Ano Morto, Calendário dos Sonhos e o novíssimo Farol das Esperanças. Trata-se de discos que não são lançados nas plataformas de streaming, disponibilizados exclusivamente via e-mail com as faixas em wav/mp3 e encartes com fotos e letras mediante o “pague quanto puder/quiser”. Vale ressaltar ainda que além do EP, Juvenil acaba de lançar, em parceria com o jovem músico Tonho Nolasco, o selo musical Plurivox.  A dupla prevê o lançamento de novos artistas tão logo seja concluído seu estúdio que está em fase final. Cria, agrega, resiste e voa, Juvenil, que “voar não se limita em romper as nuvens”.

 

 

Larissa Mendes também sofre de lonjura, Dr. Juvenil. Inclusive de lonjura dos editores Fabrício Brandão e Leila Andrade, que me impedem de abraçá-los pelos 15 anos de arte, cultura e Diversos Afins.

 

 

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