Leonardo Chioda
O AUGÚRIO ÁUREO
do Tríptico a Sergei Parajanov
I
apostas sobre
o seio coral
o poeta é lenda
ícone
confessa que é
tua assombração
a suspender
o cobre, os jarros
sobre a tapeçaria | de arranjos
o fogo e os cristais
legendam
o véu – ler o véu, rente
aos olhos alados. Atentamente.
a divindade
emaranhada no fio
das tuas vestes
o cálice
dos livros a terra
o elmo
a papoula do umbráculo
o criptogâmico
a prudência serpentina do espório
feito um gato
próximo às velas
o seio coral
pavão sobre os globos
tua longa barba
suspende o palácio
o reinado é febre. gorjeio
ópera | fluido
sepulta as romãs
nas cinzas
o poema
é um manto
coração
de gládios atravessando
o gárrulo.
***
TÚMULO DO POETA
há de se ler as pedras.
os dedos na relva, sentindo o mármore — as capas
dos livros. sentir o assombro aberto em tempo.
a circunferência da memória – a árvore está, pois,
sempre na semente. ainda o ninho cujo segredo, minha dívida,
é escutar a flor.
há de se ler as imagens
às pontas. nariz rente ao epitáfio,
quase chuva
escrita a lápide
na contingência das rosas
arredor adubo.
.
não se tem esperança
não se tem medo de nada
é livre
.
a erva do sonho
nos romances repletos de cálices. os cantos.
as magias.
há uma alça de rumor
clamando arranjo às medalhas – sete palmos
alfabetizando as raias do olhar. a voz
se ocupa de artemísias, nos dentes.
as terras. a condição das peles. égide sem expectativas
na superfície o sol. ofício cretense
de mudas.
***
POÉTICA DO DESTINO
o destino não tem rosto
só um cristal negro de sete pontas perpétuas
sob um casaco tom de sangue
coagulado. rosas antigas nas patas
o destino tem a boca de florilégio — um mosaico.
La Alhambra em technicolor. e não fala. sibila
feito oráculo. advento de
vagar suspenso na retina.
[o destino
é uma menina
ou
um monstro
ao dobrar a esquina]
destino caminha feito tigre
couraça de cerâmica. carne cobalto.
seduz os velhos e aflitos com suas pernas de agilidade
penas de transitório. é certo. como o percurso da pele,
o destino deveria ter cheiro, mas é poesia.
fragrância de ventre em polpa.
nenhum de nós,
o destino. veste-se no plasma da ardósia
segue senhor dos rastros de futuro.
o todo em jogo: camufla-se em colagens
……………queima de perfume
……………as peças florais.
***
O SEXO DE HERBERTO HELDER
Dar de beber às rosas. Café perto do sol.
O livro incandesce. A presença de espírito nos felicita.
Há o vento vário quando silêncio é rei.
Perscruta as sementes com o olhar. Os santos sorguem a paisagem na crista. São as imaginações.
Mas o mundo são as patentes. Há de quebrar as patentes
E meter ao fundo dos castelos, entre as vontades.
E ainda assim
Dar de beber às rosas. Fac-símile, a condição de foda e perda a nos continuar. Lavam as soleiras e continua-se.
Na sombra me dispo. E na sombra o que me venta
É o que me define. Taras entre tantas folhagens.
As horas são nossas.
As horas são nossas.
As horas são nossas.
As heras nos transpassam.
(Leonardo Chioda nasceu em Jaboticabal. É autor do livro ‘Tempestardes’, premiado pelo Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura e integrante da Coleção Patuscada (São Paulo: Editora Patuá, 2013). Escritor e leitor de imagens, é graduado em Letras pela UNESP. Mantém o blog de poemas Víscera da Musa e Café Tarot, de ensaios iconográficos)
O Leonardo já consolidou seu nome como um dos maiores expoentes da nova geração de poetas. Li alguns poemas de seu livro Tempestardes e posso, humildemente, afiançar que sua voz é grande e sua criatividade encontra soluções para as mais variadas nuances entrelinhares. Desejo que essa voz alcance longas distâncias, pois a poesia só tem a ganhar com isso.