Diego Callazans
Orfeu, não chore mais;
não vê que é inútil?
às moiras nada compadece.
os cantos ao silêncio marcham.
as palavras morrem.
os deuses esquecem.
nas flores o sublime é breve.
a criança encurva.
desafina a lira.
o amor é pó.
a voz mais bela dura só um sopro.
às moiras nada compadece,
Orfeu; não chore.
ainda sopram versos.
a arte é viva para além dos ossos.
os deuses recordam.
há palavras que claudicam,
mas distante é a noite
e o sol, se lhe calhar, não vem depois.
cantemos.
às moiras nada compadece.
não há por que ter pressa de silêncio.
***
jamais te iludas:
a paz é breve.
tolera o verme
somente o quanto
adia a luta.
todo tratado
é uma cilada.
ausculta à lupa
atrás dos sinos.
não dês desculpa
para explodir-nos.
se for preciso,
a mão lhe estende.
force um sorriso.
com vela rente,
indaga o vento.
mantém a adaga,
oculta o intento.
nossa voz curta
assim prescreve.
jamais te iludas:
a paz é breve.
***
não sou senhor sequer
do corpo que me veste
nem minha sombra
me reconhece
o nome a que me ataram
– largo – pesa
meu passo – leve
– nem rastro deixa
meus versos queime
– não há quem tome
ideias… dei-as
– me atrasavam
possuo nem mesmo a ave
que em meu inverno lateja
***
de tênis, botões e jeans devo estar
doravante por questão trabalhista.
as sandálias ficam para as andanças
entre a padaria, a feira e a banca.
todo o resto é área do professor,
montado como uma drag sem glamour.
o professor que faço me comeu
todo o sentido. sou hoje seu hotel.
leitura era prazer, é hora-extra.
a poesia agora é o que me resta.
(Diego Callazans vive em Aracaju desde a infância. Graduado em Jornalismo, está em vias de concluir doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe. Em sua trajetória, atuou em teatro, dirigiu vídeos e desenhou quadrinhos. “A poesia agora é o que me resta”, lançado recentemente pela Editora Patuá, é seu livro de estreia)
Seus poemas são muito bons ,parabéns .E que a poesia sempre nos reste e nos transborde .
Professor é assim, te engole.A poesia é quem sabe digerir.
Adorei seus poemas.