Janela Poética I

Micheliny Verunschk

 

LUMA FLORES

Arte: Luma Flôres

 

Um Klint

 

A cor falsificada,
a textura
imprecisa,
o nome esquecido
entre sinapses.

Talvez chame-se espelho
isto o que vejo.
Talvez chame-se afeto
isto o que quebro.

As cores,
ruivo,
laranja,
castanho,
branco azulado.

A palavra se perde,
mas era eu
em lâminas de ouro.

 

 
***

 

 
Naturezas-mortas

(a propósito de uma série de poemas de Robert Melançon)

A Jerusa Pires Ferreira

 

I

Emana da pele
vermelha
das maçãs
uma luz plácida
e persistente:
seis pequenas estrelas
dentro de um cesto de palha.
A cozinha
(por um instante)
suspende
seu movimento contínuo
e as maçãs reverberam
explosões mínimas
dos centros de si mesmas.

 

II

As frutas ciosas
dos seus açúcares
emudecem
sobre a mesa,
galáxia escura
de madeira velha.
Concentradas
nos próprios cristais
nas cisões e trocas moleculares
amadurecem
silenciosas.
Um pássaro depenado e triste
será a próxima refeição
e por um instante
nenhuma nobreza na morte.

 

III

Maçãs
pêssegos
laranjas.
A cabeça de São João Batista
num prato de porcelana.
Os olhos
pequenos frutos imóveis
condensados
no trabalho das cores.

 

 
***

 

 
Quadro

 

Ao centro da mesa
o pão
de sementes de girassol
compacto e luminoso
como a estrela
escondida no fermento
ou na palavra
orbita
denso
e leve
enquanto suas migalhas
faíscas
inventam novos mundos.

 

 
***

 

 
Balada

 

quando paquito guzman morreu, seu corpo estendido na mesa, a toalha de renda, a mulher chorosa, dez velas acesas, uma rosa entre os dedos, no bolso, um bilhete, na lapela, um lenço, dois dentes de ouro, um tigre no peito, el guapo chorou. um choro moído, um choro sentido, da boca, um soluço, da carne, um gemido. quando paquito guzman morreu, el guapo, uma gota de sangue no lábio mordido, el guapo, coitado, moço tão bonito, perdeu-se a si mesmo, a lua nos olhos, o norte esquecido.

***

 

 

Desenho

 

A axila nua
e o cheiro quase doce de suor.
Os gatos não sabem do medo,
só do desenho e simetria
dos seus pares.
Álacre,
o salto é resina
e o gato…………………um risco.

 

Micheliny Verunschk é autora de “Geografia Íntima do Deserto” (Landy 2003), “O Observador e o Nada” (Edições Bagaço, 2003), “A Cartografia da Noite” (Lumme Editor, 2010) e “b de bruxa” (Mariposa Cartonera, 2014). Foi finalista, em 2004, ao prêmio Portugal Telecom com o livro “Geografia Íntima do Deserto”. Publica em 2014 seu primeiro romance, “Nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida” (Editora Patuá, com patrocínio do Programa Petrobras Cultural), vencedor do Prêmio São Paulo de 2015. É doutora em Comunicação e Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

 

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1 comentário

  1. É sempre bom ler Micheliny Verunschk.

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